sexta-feira, 23 de setembro de 2011

24 Horas - Lobão

Não sei se ainda faz algum sentido
Te lembra que o dia já começa a clarear
Devagar as luzes da cidade vão morrendo
E você aí parada olhando um poste bêbado apagar

Eu chamo o cara do estacionamento
Você desata a rir da pinta neoliberal de um playboy
Te peço a gorjeta, você me passa a carteira inteira
Insinuando discretamente que bebeu demais

E as ruas vazias se despedem da noite
Você insiste em parar pra comer um hot-dog
E as ruas vazias se despedem da noite
Você insinuando discretamente estar tão só

Mas não se leva a mal
Que a solidão paira na cidade
Pertence à cidade
Não, não se leva a mal
De vez ou outra se sentir assim, se sentir assim

Imediatamente após o seu pedido
Entro no posto 24 horas pra reabastecer
Te olho enviesado pelas prateleiras, indeciso
Nada é realmente aquilo que a gente quer viver

Então eu digo, meu amor, vamos para a casa
Esquece esse vazio que essas coisas todas dão
Vamos embora pra bem longe em nosso carrinho
Só nós dois, nossa alegria e nossa escuridão

 

Do disco "Noite" de 1997 composta por Lobão

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Citação - Sylvia Plath

"O que mais me apavora, penso, é a morte da imaginação. Quando o céu lá fora é só cor-de-rosa e os telhados, negros: aquela mente fotográfica que paradoxalmente nos revela a verdade, mas a verdade do mundo, que nada vale. O que eu desejo é aquele espírito sintetizador, aquela força 'que da forma' e que faz rebrotar prolificamente criando suas próprias palavras com mais inventividade do que Deus. Se eu me sento aqui e não faço nada, o mundo prossegue batendo como um tambor flácido, sem significado".

Cambrige Notes, 1956

Espelho - Sylvia Plath

Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.
Tudo o que vejo engulo imediatamente
Do jeito que for, desembaçado de amor ou aversão.
Não sou cruel, apenas  verdadeiro -
O olho de um pequeno deus, de quatro cantos.
Na maior parte do tempo medito sobre a parede em frente.
Ela é rosa, pontilhada. Já olhei para ela tanto tempo,
Eu acho que ela é parte do meu coração. Mas ela oscila.
Rostos e escuridão nos separam toda hora.

Agora sou um lago. Uma mulher se dobra sobre mim,
Buscando na minha superfície o que ela realmente é.
Então ela se vira para aquelas mentirosas, as velas ou a lua.
Vejo suas costas, e as reflito fielmente.
Ela me recompensa com lágrimas e um agitar das mãos.
Sou importante para ela. Ela vem e vai.
A cada manhã é o seu rosto que substitui a escuridão.
Em mim ela afogou uma menina, e em mim uma velha
Se ergue em direção a ela dia após dia, como um peixe terrível.
 
Link: Mirror  

Olmo - Sylvia Plath

Sei o que há no fundo, ela diz. Conheço com minha própria raiz.
Era o que você temia.
Eu não: já estive lá.
.
É o mar que você ouve em mim,
Suas frustrações?
Ou a voz do vazio, essa é a sua loucura?
.
O amor é uma sombra.
Como você chora e mente por ele.
Ouça: estes são seus cascos; fugiram, como cavalos.
.
Vou galopar a noite inteira
Até que sua cabeça vire pedra, seu travesseiro vire turfa,
Ecoando, ecoando.
.
Ou devo te trazer o borbulhar das poções?
Isso agora é chuva, esse silêncio imenso.
E este é seu fruto: branco-metálico, como arsênico.
.
Sofri a atrocidade dos poentes.
Queimada até as raízes
Meus filamentos ardem e ficam, emaranhado de arames.
.
Meus estilhaços se espalham em centelhas.
Um vento violento assim
Não suporta obstáculos: preciso gritar.
.
A lua, também, não tem pena de mim: me engole,
Cruel e estérilSeus raios me arruínam.
Ou quem sabe a peguei.
.
Eu a deixo fugir, fugir
Magra e minguante, como depois de uma cirurgia radical.
Seus pesadelos me enfeitam e me possuem.
.
Dentro de mim mora um grito.
De noite ele sai com suas garras, à caça
De algo para amar.
.
Sou torturada por essa coisa negra
Que dorme em mim;
O dia inteiro sinto seu roçar leve e macio, sua maldade.
.
Nuvens passam e se dissipam.
São estas as faces do amor, pálidas, irrecuperáveis?
Foi pra isso que atormentei meu coração?
.
Não consigo compreender além.
E o que é isso agora, essa cara
Assassina com seus galhos sufocantes? -
.
O beijo traiçoeiro da serpente.
Petrifica o desejo. Esses são os erros, solitários e lentos,
Que matam, matam, matam.
 
Link para o original: Elm - Sylvia Plath

Poema do Livro Sylvia Plath Poemas - tradução Rodrigo Garcia Lopes e Mauricio Arruda Mendonça

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Faísca - Charles Bukowski

a fábrica longe da Av. Santa Fé era
melhor.
empacotávamos suporte de luminárias
pesados em caixas longas
e depois jogávamos as caixas em pilhas
de seis.
aí os carregadores
vinham
esvaziar sua mesa e
você começava as seis seguintes.

jornada de dez horas
quatro no sábado
pagamento pelo sindicato
bom demais para trabalho não especializado
e se você não chegava lá
com músculos
logo, logo ia arranjá-los

a maioria de nós em
camisetas brancas e jeans
cigarro no bico
cerveja furtiva
a gerência olhando
pro outro lado

poucos brancos
os brancos não demoravam
trabalhadores preguiçosos
na maioria mexicanos e
pretos
frios e rancorosos
brilhava uma faca
ou alguém
era ferido
a gerência olhando
pro outro lado
 
os raros brancos que ficavam
eram loucos
trabalhava-se
e as jovens mexicanas
nos mantinham
acesos e esperançosos
seus olhos piscando
mensagens
de lá da
linha de montagem.

eu era um dos
brancos loucos
que duraram
eu era um bom trabalhador
só pelo ritmo da coisa
pelo diabo da coisa
e depois de dez horas
de trabalho duro
depois de trocar insultos
vivendo entre atritos
com os que não suficientemente calmos
para se conformar
saíamos
ainda dispostos
subíamos em nosso velhos
carros para
voltar para casa
beber metade da noite
brigar com nossa mulheres

para recomeçar no dia seguinte
a embalar os suportes
sabendo que éramos
uns babacas
fazendo os ricos mais ricos

enfiávamos
nossa camiseta branca
e o jeans
e deslizámos
entre jovens mexicanas

éramos simples e prefeitos
para o que fazíamos
ressaca
podíamos
fazer bem pra burro
nosso trabalho
mas isso
não nos tocou
nunca

entre aquelas paredes despelando

o barulho das brocas
e serras

as faíscas

éramos uma turma boa
naquele balé brutal

éramos maravilhosos

dávamos a eles
muito mais do que pediam

e ainda assim
a eles não dávamos
nada.

Fonte: Os 25 Melhores Poemas de Charles Bukowski, tradução Jorge Wanderley

domingo, 11 de setembro de 2011

Paranóia em Astrakan - Roberto Piva

Eu vi uma linda cidade cujo nome esqueci
     onde anjos surdos percorrem as madrugas e tingindo seus olhos com
         lágrimas invulneráveis
     onde crianças católicas oferecem limões aos pequenos paquidermes
         que saem escondidos das tocas
     onde adolescentes maravilhosos fecham seus cérebros para os telhados
          estéreis e incendeiam internatos
     onde manifestos niilistas distribuindo pensamentos furiosos puxam
          a descarga sobre o mundo
onde um anjo de fogo ilumina os cemitérios em festa e a noite caminha
     no seu hálito
onde o sono de verão me tomou por louco e decapitei o Outono de sua
     última janela
onde o nosso desprezo fez nascer uma lua inesperada no horizonte
     branco
onde um espaço de mãos vermelhas ilumina aquela fotografia de peixe
     escurecendo a página
onde borboletas de zinco devoram as góticas hemorroidas das
     beatas
onde as cartas reclamam drinks de emergência para lindos tornozelos
     arranhados
onde os mortos se fixam na noite e uivam por um punhado de fracas
    penas
onde a cabeça é uma bola digerindo os aquários desordenados da
     imaginação

Poesias Carmina Burana - Goliardo


 I- "Ó FORTUNA"
Ó Fortuna,
tal a lua,
uma forma variável!
Sempre enchendo
ou encolhendo:
ó que vida execrável!
Pouco duras,
quando curas
de nossa mente as mazelas
a pobreza,
a riqueza, tu derretes ou congelas.
 
Bruta sorte,
és de morte:        
tua roda é volúvel,         
benfazeja,    
malfazeja,
toda sorte é dissolúvel.
Disfarçada
de boa fada,
minha ruína sempre queres;
simulando
estar brincando,
minhas costas nuas feres.
 
Gozar saúde,
mostrar virtude:
isto escapa minha sina;
opulento
ou pulguento
o azar me arruína.
Chegou a hora,
convém agora,
o alaúde dedilhar;
a pouca sorte
do homem forte
devemos todos lamentar." (CB no. 17)


II- "UMA JOVEM PASTORA"
Uma jovem pastora,
logo ao sol nascer,
levava seu rebanho
e lã para tecer.
 
Seu rebanho inclui
carneiro e jumentinha
cabrito e cabrita
bezerro e bezerrinha.
 
Ela viu na relva,
sentado um estudante:
"Senhor, que faz aqui ?
Brinquemos um instante!" (CB no. 90)

III- "AI DE MIM, QUE MEDO"
Ai de mim, que medo,
furaram meu segredo:
amava loucamente.
 
Revela o ocorrido
meu ventre entumescido;
o parto é iminente.
 
Mamãe me fustiga,
papai me castiga,
só fazem me xingar.
 
Fico em casa trancada,
não piso na calçada,
não posso mais brincar.
 
Se eu na rua andar,
todos vão me olhar:
"Um monstro a passar!"
 
Vêem com mesquinhez
minha gravidez
e passam sem falar.
 
Cotovelos se afrontam,
dedos sujos me apontam
como malfeitora.
 
Olhares me incriminam,  
 à fogueira me destinam,
a grande pecadora.         
É o fim da picada:
ser a moça mais falada
desta freguesia!
 
Dores sem fim padeço,
aflita, desfaleço,
choro de agonia.
E tudo agravou-se,
meu noivo exilou-se,
para longe daqui.
Ante a paterna vingança,
exilou-se na França
tão distante de mim.
Ele estando ausente
receio que não agüente
esta dor sem fim. " (CB  no. 126)


IV-" SE UM RAPAZ E UMA DONZELA"
Se um rapaz e uma donzela,
ficassem juntos na mesma cela...
R. Ó casal abençoado!
   O amor tempera,
   anima o noivado;
   o tédio se oblitera.
 
Brincam juntos num só gesto
de bocas, pernas e o resto!
R. Ó casal abençoado... (CB no. 183)

V- "AH, SE EU PUDESSE COMPRAR"
Ah, se eu pudesse comprar
o mundo, do Reno até o mar.
Tudo isto me pode faltar:
basta a rainha da Inglaterra
em meus braços se deitar." (CB no. 145)

VI- 'QUANDO NA TABERNA ESTAMOS"
Quando na taberna estamos,
falar da morte evitamos,
jogar, isto nos conforta,
o dado é que importa.
Quem paga o pato na taberna ?
Qual a lei que nos governa?  
Tais perguntas em tua cabeça
permita-me que esclareça.
 
Se não bebem, jogam dados,
ou cometem outros pecados.
Vários devem, ao jogar,
sua roupa empenhar:
ficarão bem trajados
ou com trapos camuflados,
ninguém aqui teme a morte,
todos, bebendo, tentam a sorte.
 
Brindam logo a quem paga
com o vinho que se traga,
duas vezes os prisioneiros,
três vezes nossos herdeiros,
quatro vezes os batizados,
cinco vezes nossos finados,
seis, todas as mães solteiras,
sete, os guardas das fronteiras.
 
Oito, os confrades meliantes,
nove, os monges caminhantes,
dez, os nossos navegantes,
onze vezes os discordantes,
doze vezes os flagelantes,
treze vezes os viandantes.
Por fim, ao Papa, e ao Rei
brindam nossos fora-da-lei.
 
Bebe a dona, bebe o senhor,
bebe o cabo e o monsenhor,
bebe o dono, bebe a dama,
bebe o servo, bebe a ama,
o apressado e o tardo,
bebe o branco, bebe o pardo,
o burguês com o vago
o camponês com o mago.
 
Bebe o pobre, bebe o doente,
o marginal, o indigente,
o moço e o veterano,         
bebe o abade com o decano,
bebe o irmão, bebe a irmã,
bebe o velho, bebe a anciã,
bebe o nobre, bebe o vil
bebem cem e bebem mil.
 
Com seis ducados não pagamos
todo vinho que tragamos
bebendo todos à porfia.
Mas ao beber na alegria,
falsos irmãos de nós judiam
sempre nos vilipendiam.
Quem nos inveja, seja maldito,
no livro dos justo não fique inscrito." (CB no. 196)

 
 
fonte e onde podem ser encontradas mais informações sobre Carmina Burana

Alma - Charles Bukowski

oh! como eles se preocupam com a minha
alma!
recebo cartas
o telefone toca...
"você vai ficar bem?"
perguntam.
"ficarei bem", eu lhes digo.
"ja vi tantos se afundarem na sarjeta",
eles me dizem.
"não se preocupem comigo", digo

ainda assim me deixam nervoso.
entro e tomo uma chuveirada
saio e espremo uma espinha do
nariz.
então vou até a cozinha e preparo 
um sanduíche de salame e presunto
eu costumava viver de doces baratos.
agora tenho mostarda alemã importada
para passar no sanduíche, devo estar em perigo
por causa disso.

o telefone segue tocando e as cartas seguem
chegando.

se você tiver dentro de um armario na companhia de ratos
e come pão velho
eles gostam de você.
você passa a ser um
gênio.

ou se está num manicômio ou
detido na delegacia
eles o chamam de gênio
ou se você está bêbado e não para de gritar
obcenidades
vomitando as tripas no
chão
você é um gênio.

mas experimente pagar o aluguel um mês
adiantado
vestir um novo par de meias
ir ao dentista
fazer amor com uma garota limpa e saudável
em vez de pegar uma puta
e você vendeu sua
alma.

não estou minimadamente interessado em perguntar como
vão suas almas.
suponho que era o que eu deveria
fazer.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Assim é a América - Gregory Corso

                              Assim é a América e eu me divirto
           música a valer e os lunáticos
           com as bocas fechadas sem cantar
me apaixono por uma mulher
           e detesto todas as outras
para um jogo feminino de cinquenta
         para cada dez
            nos outros cinquenta
está o melhor

                              A América é assim e há assim e há muito mais
           diversão
           e lunáticos
um bando dos que nãos sabem cantar
e um bando dos que cantam
           mas ninguém se interessa
           como eu

                Que cantei na Califórnia
toda minha cultura ocidental para um mexicano escutar
           mas ele apagado não me ouvia
morreu com um sorriso nos lábios
           o trapaceiro com três dentes de ouro
           um bocado de chá
           a mão cheia de payote
           e uma esposa de quatorze anos

O Crime - Gregory Corso


No animal ainda quente seu crime
foi gracejo da secreta ação amarga humana
suficiente para o riso da jovem
com o sangue se esvaindo surdamente

juntos comeram a rosa
e juntos enxugaram as línguas
ante as brasas e os recortes de pele

eles se amaram tanto
até os olhos caírem por dentro
e as faces se despregarem


domingo, 4 de setembro de 2011

Fuga sobre a Morte - Paul Celan

Leite negro da madrugada nós o bebemos de noite nós o bebemos ao meio-dia e de manhã nós o bebemos de noite nós o bebemos bebemos
cavamos um túmulo nos ares lá não se jaz apertado
Um homem mora na casa bole com cobras escreve
escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
escreve e se planta diante da casa e as estrelas faíscam ele assobia para os seus Mastins
assobia para os seus judeus manda cavar um túmulo na terra
ordena-nos agora toquem para dançar
Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos de manhã e ao meio-dia nós te bebemos de noite nós bebemos bebemos
Um homem mora na casa e bole com cobras escreve
escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
Teu cabelo de cinzas Sulamita cavamos um túmulo nos ares lá não se jaz apertado
Ele brada cravem mais fundo na terra vocês aí cantem e toquem
agarra a arma na cinta brande-a seus olhos são azuis
cravem mais fundo as pás vocês aí continuem tocando para dançar
Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos ao meio-dia e de manhã nós te bebemos de noite nós bebemos bebemos
um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
teu cabelo de cinzas Sulamita ele bole com cobras
Ele brada toquem a morte mais doce a morte é um dos mestres da Alemanha
ele brada toquem mais fundo os violinos vocês aí sobem como fumaça no ar
aí vocês têm um túmulo nas nuvens lá não se jaz apertado
Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos ao meio-dia a morte é um dos mestres da Alemanha
nós te bebemos de noite e de manhã nós bebemos bebemos
a morte é um dos mestres da Alemanha seu olho é azul
acerta-te com uma bala de chumbo acerta-te em cheio
um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
ele atiça seus mastins sobre nós e sonha a morte é um dos mestres da Alemanha
eu cabelo de ouro Margarete
teu cabelo de cinzas Sulamita

O Último alento de Arnold - Gregory Corso


Arnold, acalentado por Deus, 
escondido sob a varanda 
relembrando o tempo em que fugiu, aprisionado em 
         Vermont, 
abrindo um caminho na neve. Arnold era de outro lugar, 
onde não era tão frio; lá ele usava sapatos camurça 
e jogava tênis de mesa.
Arnold sabia o Corão.
E ele saia cantar:
          O jovem Julien Sorel
          Recitava bem o latim
          E era inteligente assim
            Como ele era um jasmim
          Até que sua cabeça caiu.

Na atmosfera vazia
Arnold tinha um trinca de pombos, um pacote milho.
Pensava em Eleanor, em suas mãos;
Observava ela sentada quieta na escola
Ele tinha Carmine para atraí-la para uma atmosfera mais cálida;
Queria beijá-la, viver com ela para sempre;
Abrir-lhe a cabeça com propostas mirabolantes.

Quem é Arnold? Bem,
Quando o encontrei a primeira vez usava um gorro preto 
coberto de broches antigos. Estava com 13 anos.
E com medo. Mas sorria. Ele estava sempre 
querendo te acompanhar no caminho de casa, falar com tua mãe, 
conversar com ela sobre o Parque da rua Hester 
sobre os vagabundos gélidos de lá; 
sobre as velhas judias gélidas sentadas, 
com as mãos dobradas, tristes, virando o rosto 
para longe do antigo lar dos judeus.
Arnold cresceu conhecendo bem os agentes de turfe 
e os depenadores de frangos

E Arnold sabia cantar:
          Agora morreu, aos meus 15 anos
          Delano Roosevelt, com seu rosto sorridente
          Tornou mais diabólico o Imperialista com dentadura de dólar,
          O Ariano de bigodes,
          O César queixudo –
          Agora morreu, e eu chorei...
          Porque esse homem uma vez eu odiei 
          sem razão nenhuma 
          só ódio inocente 
          – meu gorro coberto com broches antigos.

Arnold levou um chute no saco 
de uma garota italiana que enlouqueceu 
por causa de uma grande greve de mineiros 
que forçou a Aliança Educacional a fechar as portas.
Arnold, fraco e caído, roubou uns centavos de uma biblioteca, 
mas aproveitou para ler Paderewski.
Ele costumava andar pela Rua Sul 
a refletir sobre os diversos tipos de cola.
Era em cola de avião que ele pensava 
quando caiu e morreu sob a Ponte do Brooklyn.    

Poemas do livro:  Gasolyna
Tradução: Ciro Barroso

sábado, 3 de setembro de 2011

o jeito que isso é - Charles Bukowski


o inferno está lotado ainda
 você sempre pensa que  você está
sozinho.

e você nunca pode dizer
a ninguém que
você está no inferno
ou eles vão pensar
que você está
louco.

mas ser louco é
estar no inferno
e ser sensato
também.

aqueles que escapam do inferno
nunca falam sobre
isso
e nada mais
incomoda eles
depois
disso.
Quero dizer, coisas como
falta de uma refeição,
ir para a cadeia,
bater seu carro
ou
mesmo
morrer.

quando você perguntar-lhes,
"como as coisas estão
indo? "
eles vão responder: "bem,
muito bem ... "

uma vez que você foi para o inferno
e voltou
é o bastante, é a
mais silenciosa celebração
conhecida.

uma vez que você foi para o inferno
e voltou,
você não olha para trás
quando o chão
range.
o sol está no alto a
meia-noite

e coisas como
os olhos de ratos
ou um velho pneu
em um terreno baldio
pode torná-lo
feliz.

uma vez que você foi para o inferno
e voltou.


Link:Bukowski Poemas

o homem ao piano - Charles Bukowski

o homem ao piano
toca uma música
que ele não compôs
canta palavras
que não são suas
em um piano
que não é seu.

enquanto
as pessoas à mesa
comem, bebem e conversam

o homem ao piano
termina
sem aplausos.

então
começa a tocar
uma nova canção
que ele não escreveu
começa a cantar
palavras
que não são suas
em um piano
que não é seu.

e como as pessoas
à mesa
continuam a
comer, beber e conversar

quando
ele termina
sem ser aplaudido
ele anuncia
pelo microfone, que vai
fazer uma pausa
de dez minutos

ele vai
até o banheiro
masculino
entra
em um reservado
tranca a porta
senta
puxa um baseado
e acende

satisfeito
de não estar
ao piano

e as
pessoas às mesas
comendo, bebendo e conversando
satisfeitas
por ele também
não estar lá

assim
acontece
em quase toda parte
com todos e com tudo
enquanto ferozmente
no interior
o
gueto negro incendeia.

Citação Kerouac

"A humanidade se assemelha aos cães, não aos deuses — se você não ficar zangado eles vão lhe morder – mas fique bravo e você nunca será mordido. Os cães não respeitam humildade e tristeza."

O Lamento de Zizi - Gregory Corso


Me apaixonei pela risonha morbidez
como seria bom para mim se pudesse possuí-la —
Eu já me vesti com as esplêndidas batas do Sudão,
carreguei as magnificentes halivas de Boudodin Bros...
beijei as Fatimas cantantes do cafetão de Aden,
escrevi salmos gloriosos no café do Hawhaliba,
mas nunca possuí a morbidez risonha,
então, que valor tenho eu?
O gordo mercador me oferece ópio, kief, haxixe,
ate mesmo Ieite de camelo,
mas tudo é insatisfatório –
Ó amarga noite condenada!! novamente você! deverei ainda
arrancar meus dentes irreais
desnudar minha pessoa irrisível
dar ao sono essa cabeça melancólica?
Nada sou sem a risonha morbidez.
Meu pai já a teve, meu avô a possuía;
Sem duvida meu Tio Fez a terá, mas eu, para mim
a quem eIa faria maior bem,
será que um dia a terei?

Alô - Gregory Corso

É desastroso ser um cervo ferido.
Eu estou muito ferido, os lobos rondam
e tenhos meus fracassos também.
Minha carne ficou presa no Gancho Invevitável!
Quando criança vi todas as coisas nas quais não queria me transformar.
Serei a pessoa que não desejava ser?
Aquela pessoa que-fala-sozinha?
Aquele de quem os vizinhos caçoam?
Serei eu aquele que, nos degraus do museu, dorme de lado?
Estarei usando a roupa do cara que falhou?
Sou um sujeito lunático?
Na grande serenata das coisas,
                serei a passagem mais cancelada?