sexta-feira, 24 de junho de 2011

Mind and Heart - Charles Bukowski

inexplicavelmente estamos sozinhos
para sempre sozinhos
e era pra ser
assim,
não era pra ser
de nenhum outro modo -
quando a luta contra a morte
começar
a última coisa que desejo ver
é
um círculo de faces humanas
pairando sobre mim -
prefiro meus velhos amigos,
e as paredes de mim mesmo,
que estejam somente eles ali.

tenho estado sozinho mas raramente
solitário.
satisfiz minha sede
no poço
de mim mesmo
aquele vinho era bom,
o melhor que já bebi,
e esta noite
sentado
olhando a escuridão
finalmente entendo
a escuridão e a
luz e tudo que está
entre os dois.

a paz da alma e do coração
chega
quando aceitamos como
é:
ter nascido
nesta
estranha vida
devemos aceitar
as inúteis apostas de nossos 
dias
e nos satisfazer com
o prazer de
deixar tudo
pra trás.

não chore por mim.
não sofra por mim.

leia
o que escrevi e
então
esqueça
tudo.

beba do poço
de você mesmo
e comece
de novo.

O Ovo - Charles Bukowski

 ele tem 17.
mãe, ele disse, como se quebra um
ovo?

tudo bem, ela me disse, você não precisa se
sentar olhando desse jeito.

ô, mãe, ele disse, você quebrou a gema.
eu não posso comer a gema quebrada.

tudo bem, ela me disse, você é durão,
já trabalhou em matadouros, indústrias,
na prisão, você é tão fudidamente durão,
mas todas as pessoas não precisam ser como você,
isso não faz com que todos estejam errados e você
certo.

mãe, ele disse, você compra umas cocas
quando estiver voltando do trabalho?

olha, Raleigh, ela disse, você não pode trazer as cocas
na bicicleta, eu estou cansada depois do
trabalho.

mas, mãe, tem uma subida.

que subida, Raleigh?

tem uma subida,
eu tenho que pedalar
ali.

tudo bem, ela me disse, você acha que é
fudidamente durão. você trabalhou nas linhas de
trem, eu ouço isso toda a vez que você fica bêbado:
"eu trabalhei nas linhas de trem."

bom, eu disse, eu trabalhei.

quer dizer, que diferença isso faz?
todo mundo tem que trabalhar em algum lugar.

mãe, disse o menino, você vai trazer as
cocas?

eu gosto muito do menino. acho ele bem
cortês. e assim que ele aprender a quebrar um
ovo poderá fazer algumas
coisas estranhas. no meio tempo
eu durmo com a mãe dele
e tento evitar
discussões

os prazeres dos danados - Charles Bukowski

os prazeres dos danados
limitam-se a breves momentos
de felicidade:
como o olhar de um cachorro e seus olhos,
como a cera de uma vela,
como o fogo consumindo a prefeitura,
o condado,
o continente,
como fogo consumindo o cabelo
de donzelas e dragões;
e gaviões rasando as pereiras,
o mar correndo entre suas garras,
O Tempo
ébrio e abatido,
tudo queimando,
tudo úmido,
tudo bem.

Poema Dum Funcionário Cansado - Antonio Ramos Rosa


A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente

e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?

Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma só noite comprida
num quarto só

Blowin'In The Wind - Bob Dylan

SOPRANDO NO VENTO

Quantas estradas precisará um homem andar
Antes que possam chamá-lo de um homem?
Sim e quantos mares precisará uma pomba branca sobrevoar
Antes que ela possa dormir na praia?
Sim e quantas vezes precisará balas de canhão voar
Até serem para sempre abandonadas?
A resposta meu amigo está soprando no vento
A resposta está soprando no vento

Quantas vezes precisará um homem olhar para cima
Até poder ver o céu?
Sim e quantos ouvidos precisará um homem ter
Até que ele possa ouvir o povo chorar?
Sim e quantas mortes custará até que ele saiba
Que gente demais já morreu?
A resposta meu amigo está soprando no vento
A resposta está soprando no vento

Quantos anos pode existir uma montanha
Antes que ela seja lavada pelo mar?
Sim e quantos anos podem algumas pessoas existir
Até que sejam permitidas a serem livres?
Sim e quantas vezes pode um homem virar sua cabeça
E fingir que ele simplesmente não vê?
A resposta meu amigo está soprando no vento
A resposta está soprando no vento


Vi Aqui =>  Hippies & Beatniks

Amor - Clarice Lispector



Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranqüilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.

Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.

Sapatos - Charles Bukowski

 Tradução: Alice Dias

quando voce é jovem
um par
de sapatos
saltos altos
femininos
apenas
sentados
bem
perto
ao teu lado
sozinhos
podem
incendiar
seus
ossos;
quando voce é velho
eles são
somente
um par
de sapatos
vazios
e
é
isso.

Link: Literatura em foco

sábado, 18 de junho de 2011

Não ès os Outros

Jorge Luis Borges



Não há-de te salvar o que deixaram
Escrito aqueles que o teu medo implora;
Não és os outros e encontras-te agora
No meio do labirinto que tramaram
Teus passos. Não te salva a agonia
De Jesus ou de Sócrates ou o forte
Siddharta de ouro que aceitou a morte
Naquele jardim, ao declinar o dia.
Também é pó cada palavra escrita
Por tua mão ou o verbo pronunciado
Pela boca. Não há pena no Fado
E a noite de Deus é infinita.
Tua matéria é o tempo, o incessante
Tempo. E és cada solitário instante.

O Mundo é Um Ótimo Lugar


(Lawrence Ferlighetti - Tradução Nelson Ascher)

O mundo é um ótimo lugar
pra se nascer
se não te importa que a felicidade
nem sempre tenha
muita graça
se não te importa um quê de inferno
de quando em quando
justo quando tudo vai bem
pois nem mesmo nos céus
se canta o
tempo todo

O mundo é um ótimo lugar
pra se nascer
se não te importa que alguns morram
o tempo todo
ou sofram só de fome
parte do tempo
o que não é tão mau assim
se não é com você

Ah o mundo é um ótimo lugar
pra se nascer
se não te importam
algumas mentes mortas
nos postos mais altos
ou uma bomba ou duas
de quando em quando
nas suas caras pasmas
ou tais outras inconveniências
que vitimam a nossa
sociedade Marca Registrada
com a distinção de seus homens
e seus homens de extinção
e seus padres
e outros patrulheiros

e suas várias segregações
e investigações parlamentares
e outras prisões
de ventre que nosso torpe
corpo herda

Sim o mundo é o melhor dos lugares
para tantas coisas como
encenar diversão
e encenar amor
e encenar tristeza
e cantar baixarias e se inspirar
e dar umas voltas
olhando de tudo
e cheirando flores
e cutucando estátuas
e até pensando
e beijando as pessoas e
fazendo filhos e usando calças
e acenando chapéus e
dançando
e nadando nos rios durante
piqueniques
no meio do verão
e no sentido amplo
"vivendo até o fundo"
Sim
mas bem no meio disso chega
então sorrindo o

agente funerário

Citação Jack Kerouak

Comecei a aprender com ele, tanto quanto ele provavelmente aprendeu comigo. Quanto ao meu trabalho, ele dizia: — Vá em frente, pois tudo o que você faz é bom demais. — Enquanto eu redigia minhas histórias, ele observava por cima de meus ombros e berrava: — Uau, cara, tanta coisa a fazer, tanta coisa a escrever! Como ao menos começar a pôr tudo isso no papel, sem desvios repressivos, sem tantos grilos, essas inibições literárias e temores gramaticais?

domingo, 12 de junho de 2011

Misto Quente - Charles Bukowski

Charles Bukowski
Estava indo para casa depois das aulas, pela colina de Westview. Nunca tinha livro para carregar. Passei nos meus exames apenas ouvindo o que diziam durante as aulas e adivinhando as respostas. Eu nunca tive que me matar de estudar para enfrentar os exames. Podia conseguir os meus C. E, enquanto descia a ladeira, bati numa teia de aranha gigante. Eu sempre estava fazendo essas coisas. Fiquei ali arrancando aqueles fios pegajosos e procurando pela aranha. Então a vi: uma filha da puta. preta, grande e gorda. Esmaguei-a. Havia aprendido a odiar aranhas. Quando eu fosse para o inferno seria comido por uma aranha.
Durante toda a minha vida, naquele bairro, eu vivi batendo em teias de aranha, fui atacado por passarinhos e tinha morado com meu pai. Tudo era eternamente triste, lúgubre e maldito. Mesmo o tempo era insolente e cachorro. Ou ficava insuportavelmente quente semanas a fio, ou então chovia e, quando chovia, chovia por cinco ou seis dias. A água subia pelos gramados e invadia as casas. Quem planejou o sistema de drenagem foi muito bem pago pela sua total ignorância sobre o assunto.
E minhas próprias coisas eram tão más e tristes, como o dia em que nasci. A única diferença era que agora eu podia beber de vez em quando, apesar de nunca ser o suficiente. A bebida era a única coisa que não deixava o homem ficar se sentindo atordoado e inútil o tempo todo. Tudo mais te pinicando, te ferindo, despedaçando. E nada era interessante, nada. As pessoas eram limitadas e cuidadosas, todas iguais. E eu teria que viver com esses putos pelo resto de minha vida, pensava. Deus, eles todos tinham cus, e órgãos sexuais e suas bocas e seus sovacos. Eles cagavam e tagarelavam e eram tão inertes quanto bosta de cavalo. As garotas pareciam boas à distancia, o sol provocando transparencias em seus vestidos, refletido em seus cabelos. Mas chegue perto e escute o que elas tem na cabeça sendo vomitado pelas suas bocas. Você ficava com vontade de cavar um buraco sobre um morro e ficar escondido com uma metralhadora. Certamente eu nunca seria capaz de ser feliz, de me casar, nunca poderia ter filhos. Mas que diabo, eu nem conseguia um emprego de lavador de pratos.
Talvez eu pudesse ser um ladrão de bancos. Alguma porra. Alguma coisa flamejante, com fogo. Você só tinha direito a uma tentativa. Por que ser um limpador de vidraças?
Vi outra dessa aranhas grandes e pretas. Estava mais ou menos na altura do meu rosto, na sua teia, bem no meu caminho. Peguei o meu cigarro e enfiei nela. A aranhona tremeu e se jogou, balançando a folhagem. Saltou da teia e caiu na calçada. Assassinas covardes, todas elas. Esmaguei-a com o meu sapato. Que dia proveitoso, tinha matado duas aranhas, e desequilibrado a balança da natureza - agora nós seríamos todos comidos pelos carrapatos e moscas.
Fui descendo o morro, estava perto do fundo quando um arbusto grande começou a se mexer, O Rei das Aranhas estava atrás de mim. Corri para enfrentá-lo. Minha mãe apareceu por detrás da folhagem.
- Henry, Henry, não vá para casa, não vá para casa, seu pai vai matá-lo!
- Como é que ele vai fazer isso? Eu posso lhe chutar a bunda!
- Não, ele está furioso, Henry! Não vá para casa, ele vai te matar! Estive esperando aqui por horas!
Minha mãe tinha os olhos arregalados de medo e eles eram lindos, grandes e castanhos.
- O que é que ele está fazendo tão cedo em casa?
- Ele ficou com dor de cabeça, e o dispensaram à tarde!
- Eu pensei que você estava trabalhando, que tinha achado um novo emprego.
Ela tinha conseguido um emprego de governanta.
- Ele apareceu e me pegou! Está furioso! Ele vai matar você!
- Não se preocupe, mamãe, se ele mexer comigo eu lhe darei um pontapé na bunda, prometo para a senhora.
- Henry, ele achou as suas historietas e as leu!
- Eu nunca pedi pra que ele as lesse.
- Ele as encontrou na gaveta! E leu elas, ele leu todas elas!
Eu tinha escrito umas dez ou doze histórias. Dê uma máquina de escrever a uma pessoa e ela se tomará um escritor. Tinha escondido as minhas histórias debaixo do forro de papel da minha gaveta de meias e cuecas.
- Bom - eu disse - o velho ficou fuçando e acabou queimando os dedos.
- Ele disse que vai te matar! Disse que nenhum filho seu poderia escrever histórias como aquelas e continuar vivendo sob o mesmo teto com ele!
Eu a peguei pelo braço.
- Vamos para casa, mamãe, e ver o que ele faz...
-Henry, ele atirou todas as roupas no jardim, toda a sua roupa suja, sua máquina de escrever, sua valise e suas histórias!
- Minhas histórias?
- Sim, elas também...
- Eu vou matá-lo!
Eu me afastei dela e atravessei a Rua 21 em direção à Avenida Longwood. Ela veio atrás.
- Henry. Henry, não vá lá.
A pobre mulher me agarrava pela camisa.
- Henry, escute, arrume um quarto para você em algum lugar! Heniy, eu tenho dez dólares! Pegue esses dez dólares e arrume um quarto para você!
Parei e me virei. Ela estava segurando os dez dólares.
- Esqueça. Eu vou mesmo.
- Henry, pegue o dinheiro! Faça isso por mim! Faça pela sua mãe!
- Bem, está bem...
Peguei os dez e coloquei no bolso.
- Obrigado, é muito dinheiro.
- Tudo bem, Henry. Eu te amo, Henry, mas você deve ir embora.
Ela correu na minha frente enquanto continuei a andar para casa. E, então, eu vi: tudo estava espalhado pelo jardim, toda a minha roupa limpa e a suja também, a valise aberta, meias, cuecas, pijamas, um roupão velho, tudo jogado ali, no jardim, na rua. E eu vi meus manuscritos sendo soprados pelo vento, na sarjeta, espalhados por todos os lugares.
Minha mãe entrou correndo pelo corredor lateral e eu gritei para ela de maneira que ele também ouvisse:
- Diz pra ele sair que eu vou lhe arrancar sua maldita cabeça fora!
Em primeiro lugar eu corri atrás dos meus manuscritos. Foi o golpe mais baixo que ele poderia fazer comigo. Eles eram uma coisa na qual ele não tinha o direito de mexer. Enquanto eu ia pegando página por página, da sarjeta, do jardim e da rua, comecei a me sentir melhor. Catei todas as folhas que eu pude, coloquei-as na valise, usando um sapato como peso, e então fui salvar a máquina de escrever. Ela tinha caido fora do seu estojo mas parecia bem. Olhei para os meus trapos espalhados. Deixei a roupa suja, deixei os pijamas pois os dois eram dele e tinham sido passados para mim depois de velhos. Não havia muito para colocar na mala. Fechei-a, peguei a máquina de escrever e comecei a andar. Pude ver dois rostos me observando por detrás de uma cortina. Mas esqueci rapidamente, andei até a Longwood, atravessei a 21 e subi a velha colina de Westview. Não estava me sentindo muito diferente do que o habitual. Não estava nem excitado nem deprimido; tudo isso parecia ser apenas uma continuaçào. Estava indo pegar o bonde W, descer e tomar outro, e ir para algum lugar do centro da cidade.

Trecho do livro Misto Quente (Ham on Rye)

sábado, 11 de junho de 2011

Casamento - Gregory Corso


Tradução de Márcio X. Simôes
 
Devo me casar? Devo Ser bom?
Aturdir a garota da porta ao lado com meu terno de veludo e fausto capuz?
Não leva-la aos filmes mas aos cemitérios
Contar-lhe tudo sobre lobisomem banheiras e clarinetes bifurcados
depois deseja-la e beija-la e todo o preliminário
ela indo tão longe e eu entendendo porquê
sem me zangar ao dizer Você deve sentir! É lindo sentir!
Ao invés de tê-la em meus braços devo recostar em uma velha lápide torta
e corteja-la as constelações no céu a noite completa-
Quando ela me apresentar aos seus pais
sufocado por uma gravata, o cabelo afinal penteado, coluna ereta
devo sentar com os joelhos juntos no seu muito sério sofá
e não perguntar Onde é o banheiro?
Como me sentir outro se não eu,
freqüentemente pensando no seriado do Flash Gordon -
Ó quão terrível deve ser para um jovem
sentado diante de uma família pensando
Nós nunca o vimos antes! Ele quer a nossa Mary Lou!
Depois do chá e dos biscoitos caseiros eles perguntam O que você faz pra viver?
Devo conta-lo? Atrevo agrada-los?
Dirão depois Tudo bem case-se, estamos perdendo uma filha
mas ganhamos um filho -
Pergunto então Onde é o Banheiro?
Ó Deus e o casamento! Toda a sua família e amigos
e só um punhado dos meus todos vagabundos e barbados
apenas esperando a comida e a bebida-

domingo, 5 de junho de 2011

Nunca amamos ... - Fernando Pessoa

Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.

sábado, 4 de junho de 2011

Eu... - Florbella Espanca

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
 
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

Canção - Allen Ginsberg

O peso do mundo
         é o amor.
Sob o fardo
       da solidão,
sob o fardo
      da insatisfação
 
       o peso
o peso que carregamos
        é o amor.
 
Quem poderia negá-lo?
          Em sonhos
nos toca
      o corpo,
em pensamentos
        constrói
um milagre,
         na imaginação
aflige-se
         até tornar-se
humano -
 
sai para fora do coração
         ardendo de pureza -
 
pois o fardo da vida
          é o amor,
 
mas nós carregamos o peso
           cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
          finalmente
temos que descansar nos braços
           do amor.
 
Nenhum descanso
        sem amor,
nenhum sono
        sem sonhos
de amor -
           quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
           ou por máquinas,
o último desejo
          é o amor
- não pode ser amargo
         não pode ser negado
não pode ser contigo
           quando negado:
 
o peso é demasiado
          - deve dar-se
sem nada de volta
         assim como o pensamento
é dado
         na solidão
em toda a excelência
         do seu excesso.
 
Os corpos quentes
          brilham juntos
na escuridão,
          a mão se move
para o centro
        da carne,
a pele treme
          na felicidade
e a alma sobe
         feliz até o olho -
 
sim, sim,
           é isso que
eu queria,
          eu sempre quis,
eu sempre quis
         voltar
ao corpo
         em que nasci.

Confissão - Charles Bukowski



esperando pela morte
como um gato
que vai pular
na cama
sinto muita pena de
minha mulher
ela vai ver este
corpo
rijo e
branco
vai sacudi-lo e
talvez
sacudi-lo de novo:
“Henry!”
e Henry não vai
responder.
não é minha morte que me
preocupa, é minha mulher
deixada sozinha com este monte
de coisa
nenhuma.
no entanto,
eu quero que ela
saiba
que dormir
todas as noites
a seu lado
e mesmo as
discussões mais banais
eram coisas
realmente esplêndidas
e as palavras
difíceis
que sempre tive medo de
dizer
podem agora
ser ditas:
eu
te amo.

Poema nos meus 43 anos - Charles Bukowski

Terminar sozinho
no túmulo de um quarto
sem cigarros
nem bebida —
careca como uma lâmpada,
barrigudo,
grisalho,
e feliz por ter
um quarto.
… de manhã
eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores, médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carro,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiros,
motoristas de táxi…
e você se vira
para o lado esquerdo
pra pegar o sol
nas costas
e não
direto nos olhos.