segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Vós crédulos mortais, alucinados - Bocage

 LXV

Vós crédulos mortais, alucinados
De sonhos, de quimeras, de aparências,
Colheis por uso erradas conseqüencias
Dos acontecimentos desastrados:

Se à perdição correis precipitados
Por cegas, por fogosas impaciências,
Indo cair, gritais que são violências
D(e) inexoráveis céus, de negros fados:

Se um celeste poder, tirano e duro,
Às vezes extorquisse as liberdades,
Que prestava, ó Razão, teu lume puro?

Não forçam corações as divindades;
Fado amigo não há, nem fado escuro:
Fados são as paixões, são as vontades.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Sonhos - Akira Kurosawa

Este dialogo abaixo é reprodução de um capitulo do filme Sonhos de Akira Kurosawa, copiei do site Eu-Lirico. Abaixo tem o link para o video deste trecho do filme no You Tube, testei o link mas pode ser excluído por ser propriedade da Warner Bros. O capitulo começa com a chegada de um viajante em uma pequena aldeia,


Viajante – Qual o nome deste povoado?
Ancião – Não tem. Só chamamos de “O Povoado”. Alguns chamam de Povoado do Moinho.
Viajante – Todos os habitantes moram aqui?
Ancião – Não. Moram em outros lugares.
Viajante – Não há eletricidade aqui?
Ancião – Não precisamos. As pessoas acostumam-se ao conforto. Acham que o conforto é melhor. Rejeitam o que é realmente bom.
Viajante – Mas, e as luzes?
Ancião – Temos velas e óleo de linhaça.
Viajante – Mas a noite é tão escura.
Ancião – É. Assim é a noite. Por que a noite deveria ser clara como o dia? Eu não ia querer noites claras, que não deixassem ver estrelas.
Viajante – O senhor tem arrozais. Mas não tem tratores para cultivá-los?
Ancião – Não precisamos. Temos vacas, temos cavalos.
Viajante – O que usa como combustível?
Ancião – Lenha, na maioria das vezes. Não achamos direito cortar árvores, e muitos galhos caem sozinhos. Cortamos e usamos como lenha. E para carvão de madeira, poucas árvores aquecem tanto quanto uma floresta. Também estrume de vaca dá bom combustível. Gostamos de viver respeitando a natureza. As pessoas, hoje, esqueceram que são apenas parte da natureza. Mas destroem a natureza da qual dependem nossas vidas. Elas sempre acham que podem fazer melhor. Especialmente os cientistas. Podem ser inteligentes, mas não compreendem o verdadeiro significado da natureza. Só inventam coisas que tornam as pessoas infelizes. Mas têm tanto orgulho das invenções deles. Pior é que muita gente também se orgulha. Encaram-nas como milagres. Idolatram-nas. Não percebem, mas estão perdendo a natureza. E, como conseqüência, vão morrer. As coisas mais importantes para o ser humano são ar puro e água limpa, as árvores e grama que os produzem. Tudo está sendo poluído, e perdido para sempre. Ar sujo, água suja, sujando os corações dos homens.
Viajante – Vindo para cá, vi algumas crianças colocando flores em uma pedra ao lado da ponte. Por quê?
Ancião – Ah, isso. Meu pai me contou uma vez. Há muito tempo, acharam um viajante morto, perto da ponte. Os aldeões ficaram com pena e o enterraram lá. Colocaram uma pedra na tumba dele e puseram flores. Tornou-se um costume colocar flores lá. Não só as crianças. Todos os aldeões colocam flores quando passam, embora a maioria não saiba por quê.
Viajante – Há um festival hoje? (ouvindo uma festividade aproximando-se).
Ancião – Não, é um funeral. Acha estranho? Um funeral é sempre agradável. Viver bem, trabalhar bem e morrer com agradecimentos é louvável. Não temos templos nem sacerdotes aqui. Assim, os próprios aldeões levam os mortos até o cemitério da colina. Mas não gostamos quando jovens e crianças morrem. É difícil comemorar tal perda. Mas, felizmente, as pessoas deste povoado levam uma vida natural. Então, morrem de acordo com a idade. A anciã que vai ser enterrada viveu gloriosamente os 99 anos. Agora, vou unir-me ao cortejo. Com licença. Na verdade, ela foi o meu primeiro amor. Mas ela partiu meu coração e me trocou por outro. Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!
Viajante – A propósito, quantos anos tem?
Ancião – Eu? Cem... mais três. Boa idade para parar de viver. Uns dizem que a vida é sofrimento. Isso é bobagem. Sinceramente, é bom estar vivo. É emocionante.

(O ancião dirige-se à estrada, seguido pelo viajante, para juntar-se ao cortejo festivo. Cumprimenta cordialmente o viajante e une-se aos outros aldeões em festa. O viajante assiste admirado o cortejo passar e, antes de retirar-se da aldeia, deposita flores na pedra do túmulo do viajante morto. A paisagem é indescritivelmente bela... E os moinhos, girando no ritmo da correnteza do rio, expressam o ritmo da vida).

Video

Citação - Willians Burroughs

Desça a rua, qualquer rua, gravando e fotografando tudo que você ouvir e ver. Vá então para casa e escreva a respeito de suas observações, sentimentos, associações e pensamentos. Depois compare suas anotações com as evidências fornecidas pelas fotos e fitas. Descobrirás que sua mente registrou apenas uma fração de sua vivência. O que você deixou de fora talvez seja o que você precise descobrir. A verdade pode aparecer apenas uma vez. Ela pode não ser repetida

sábado, 24 de dezembro de 2011

Um Natal Junkie - William Burroughs



Pra quem preferir baixar o filme Arapa Rock Motor e a legenda

Cólera - É Natal?!

É Natal?! Se é Natal não sei!
Os pobres ficaram bem mais pobres
Os ricos muito muito ricos
O comércio fica aberto dia e noite
Os presentes e chantagens
Todos trocam sem pensar
Para no dia seguinte se odiar
Os assaltos multiplicam
Guerras seguem sem parar
Matam animais à toa, só para treinar
Não preciso de pretexto
Não preciso de Natal
Todo dia é importante
Todo dia é igual

Link: Aurélio Net

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Misty Mountain Hop - Led Zeppelin

Walking in the park just the other day, baby
What do you, what do you think I saw?
Crowds of people sitting on the grass
With flowers in their hair said

Hey boy, do you wanna score?
And you know how it is
I really don't know what time it was, woh-oh-oh
So I asked them if I could stay awhile

I didn't notice, but it had got very dark and I was really
Really out of my mind
Just then a policeman stepped up to me and asked us said
Please, hey, would we care to all get in line, get in line

Well, you know, they asked us to stay for tea and have some fun, woh-oh-oh
He said that his friends would all drop by
Why don't you take a good look at yourself and describe what you see
And baby, baby, baby, do you like it?

There you sit, sitting spare like a book on a shelf rusting
Not trying to fight it
You really don't care if they're coming, woh-oh-oh
I know that it's all a state of mind

If you go down in the streets today, baby, you better
You better open your eyes
Folk down there really don't care, really don't care, don't care, really don't
Which, which way the pressure lies

So I've decided what I'm gonna do now
So I'm packing my bags for the Misty Mountains
Where the spirits go now
Over the hills where the spirits fly

Uh, uh, uh
Uh, uh, uh, uh
Uh, uh, uh
Uh, uh, uh, uh

I really don't know
I really don't know


Tradução

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Alcoólicas - Hilda Hilst

Alcoólicas – I
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A Vida é líquida.
Alcoólicas – II
Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento
Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é líquida.
* * *
Alcoólicas – III
Alturas, tiras, subo-as, recorto-as
E pairamos as duas, eu e a Vida
No carmim da borrasca. Embriagadas
Mergulhamos nítidas num borraçal que coaxa.
Que estilosa galhofa. Que desempenados
Serafins. Nós duas nos vapores
Lobotômicas líricas, e a gaivagem
se transforma em galarim, e é translúcida
A lama e é extremoso o Nada.
Descasco o dementado cotidiano
E seu rito pastoso de parábolas.
Pacientes, canonisas, muito bem-educadas
Aguardamos o tépido poente, o copo, a casa.
Ah, o todo se dignifica quando a vida é líquida
Alcoólicas – IV
E bebendo, Vida, recusamos o sólido
O nodoso, a friez-armadilha
De algum rosto sóbrio, certa voz
Que se amplia, certo olhar que condena
O nosso olhar gasoso: então, bebendo?
E respondemos lassas lérias letícias
O lusco das lagartixas, o lustrino
Das quilhas, barcas, gaivotas, drenos
E afasta-se de nós o sólido de fechado cenho.
Rejubilam-se nossas coronárias. Rejubilo-me
Na noite navegada, e rio, rio, e remendo
Meu casaco rosso tecido de açucena.
Se dedutiva e líquida, a Vida é plena.
Alcoólicas – V
Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito
Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado
Salpicado de negro, de doçuras e iras.
Te amo, Líquida, descendo escorrida
Pela víscera, e assim esquecendo
Fomes
País
O riso solto
A dentadura etérea
Bola
Miséria.
Bebendo, Vida, invento casa, comida
E um Mais que se agiganta, um Mais
Conquistando um fulcro potente na garganta
Um látego, uma chama, um canto. Amo-me.
Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos
Quando não sou líquida.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Nenhum caminho para o paraíso - Charles Bukowski

Eu estava sentado em um bar na avenida Western. Era perto da meia-noite e estava metido em uma das minhas habituais confusões. Quero dizer, você sabe, nada dá certo: as mulheres, os trabalhos, a falta de trabalhos, o tempo, os cães. Por fim, você simplesmente senta em uma espécie de estado de transe e espera como se estivesse no banco da parada de ônibus aguardando a morte.
Bem, estava sentado lá e então chega essa mulher com cabelo preto e longo, bom corpo, olhos castanhos e tristes. Não me virei para olhá-la. Ignorei-a, mesmo ela tendo sentado no banco ao lado do meu, quando havia uma duzia de outros lugares vagos. Na verdade, éramos os únicos no bar, exceto pelo balconista. Ela pediu um vinho seco. Depois me perguntou o que eu estava bebendo.
-  Scotch com água.
- Dê-lhe um scotch com água - ela disse ao balconista.
Bem, isso era incomum.
Abriu a bolsa, removeu uma pequena gaiola de arame e tirou algumas pessoas pequenas e as colocou no balcão. Tinham todos aproximadamente dez centimetros de altura e estavam vivos e bem vestidos. Havia quatro deles, dois homens e duas mulheres.
- Fazem desses agora - ela disse. - São muito caros. Custaram quase dois mil dolores cada um quando comprei. Agora estão chegando aos 2.400 dólares. Não sei como são feitos, mas provavelmente é coisa fora da lei.
As pessoas em miniatura estavam caminhando por cima do balcão. Repentinamente um dos pequenos homens deu um tapa na cara de uma das mulheres.
- Sua vagabunda - ele disse - , já chega!!
- Não George, você não pode - ela gritou -, eu te amo! Vou me matar! Tenho que ter você!
- Não me importo! - disse o pequeno sujeito e puxou um cigarrinho e o acendeu. - Tenho direito de viver.
- Se você não a quer - disse outro sujeitinho -, fico com ela, eu a amo.
- Mas eu não quero você, Marty. Estou apaixonada pelo George.
- Mas ele é um idiota, Anna, um idiota completo!
- Eu sei, mas o amo de qualquer forma.
O idiotinha caminhou pelo balcão e beijou a outra mulherzinha.

Lembrança de Morrer - Alvarez de Azevedo

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
... Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minha alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade... é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade... é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Pouco - bem poucos... e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
A minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
A sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave da aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua pratear-me a lousa!

Solitário - Augusto dos Anjos

Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!


Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!


Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
— Velho caixão a carregar destroços —


Levando apenas na tumbas carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!

domingo, 4 de dezembro de 2011

Sonhos do Crepúsculo - Carl Sandburg

Sonhos no crepúsculo,
Apenas sonhos encerrando o dia,
Retornando-o com tal desfecho,
Aos tons cinza, escurecidos,
Às coisas fundas e longínquas
Do território dos sonhos.

Sonhos, apenas sonhos no crepúsculo,
Apenas as rotas imagens lembradas
Dos tempos idos, quando o ocaso de cada dia
Escrevia em prantos as perdas da afeição.

Lágrimas e perdas e sonhos desfeitos
Talvez acolham teu coração
ao anoitecer.

(Dreams in the Dusk, poema de Carl Sandburg,
tradução de Fernando Campanella)

Copiei daqui: Palavreares