quinta-feira, 15 de maio de 2008

Gregory Corso

GREGORY CORSO(1930)
*Gregory Corso nasceu em Greenwich Village, nos Estados Unidos da América, em 1930.Membro da geração «beat», até ao seu encontro com Kerouac e Ginsberg viveu com vá-rias famílias, desempenhando o seu papel de filho adoptivo, entre passagens por orfana-tos e reformatórios. Revelou-se como poeta com o livro "The Vestal Lady on Brattle andOther Poems» (1955), seguindo-se «Gasoline» (1958) e «Bomb» (1958) ou o famoso «LongLive Man» (1962). É um poeta carismático, tornando sérios acontecimentos artísticos os seus recitais, em bares ou universidades do seu país natal.

CASA NATAL REVISITADA
Fico na luz escura da rua escura
e olhos para cima para a minha janela, nasci ali.
As luzes estão acesas; outra gente anda por lá.
Estou de gabardina; cigarro na boca,
cabelo para os olhos, mão na garganta.
Atravesso a rua e entro no prédio.
Os caixotes do lixo continuam a cheirar mal.
Subo ao primeiro andar; Orelhas Sujas
aponta-me uma faca...
eu tactei-o cheio de relógios perdidos

Allen Ginsberg

Todo mundo é sério menos eu.
Passa pela minha cabeça
Que eu sou a América.Estou de novo falando sozinho?
Allen Ginsberg no poema América

Grupo de Extermínio de Aberrações


O Violins é uma das melhores bandas independentes brasileiras e isso pode ser visto em qualquer um dos seus quatro discos já lançados, onde se nota que ouve uma evolução a partir do primeiro disco, até o último Redenção dos Corpos, onde a melodias estão mais cadenciadas, e a barulheira diminuiu muito, mas um dos pontos fortes da banda são as letras, que estão cada vez mais sinistras, que falam de um mundo sujo, inescrupuloso, onde habitam pessoas sem coração, sem ética, com muitos preconceitos, como eu e você, que com certeza deverá discordar, dessa afirmação, pois isso faz partre também.
Está música faz parte do disco Tribunal Surdo e fala sobre o preconceito, sendo preconceituoso o autor buscou mostrar como pensa um preconceituoso sem moral.




Grupo de Extermínio de Aberrações


Atenção, atenção!
Prestem atenção ao que vamos dizer
Nós somos o Grupo de Extermínio de Aberrações
de toda sorte que você possa conceber
vindo até vocês pra pedir
qualquer quantia que se possa fornecer
e eu garanto que seus filhos agradecem
por crescer sem ter que conviver
com bichas e michês
e pretos na tv

Tá faltando soco inglês
o estoque de extintor não chega ao fim do mês
não to pedindo aqui fortuna pra vocês
a gente quer limpar o mundo de uma vez

Ei, amigão, amigão!
abaixa essa arma que é melhor para você
Nós somos o Grupo de Extermínio de Aberrações
e não viemos pra ofender
viemos receber sem medo de pedir pra vocês
qualquer quantia que se possa fornecer
e eu garanto que seus filhos agradecem
por crescer sem ter que conviver
com discípulos de Che
e putas com HIV

Tá faltando soco inglês
o estoque de extintor não chega ao fim do mês
não to pedindo aqui fortuna pra vocês
a gente quer limpar o mundo de uma vez

E eu garanto que seus filhos agradecem por crescer
sem ter que conviver com bichas e michês
e pretos na TV, discípulos de Che
Putas com HIV.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Uivo

Uivo

Eu vi os expoentes de minha geração destruídos pela loucura,
morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca
de uma dose violenta de qualquer coisa,
“hipsters” com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato
celestial com o dínamo estrelado da maquinaria da noite,
que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando
sentados na sobrenatural escuridão dos miseráveis aparta-
mentos sem água quente, flutuando sobre os tetos das
cidades contemplando jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado e viram
anjos maometanos cambaleando iluminados nos telhados
das casas de cômodos,
que passaram por universidades com os olhos frios e radiantes
alucinando Arkansas e tragédias à luz de William Blake
entre os estudiosos da guerra,
que foram expulsos das universidades por serem loucos e publi-
carem odes obscenas nas janelas do crânio,
que se refugiaram em quartos de paredes de pintura descasca-
da em roupa de baixo queimando seu dinheiro em cestas
de papel, escutando o Terror através da parede,
que foram detidos em suas barbas públicas voltando por Laredo
com um cinturão de marijuana para Nova York,
que comeram fogo em hotéis mal-pintados ou beberam tereben-
tina em Paradise Alley, morreram ou flagelaram seus tor-
sos noite após noite
com sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília, álcool e cara-
lhos e intermináveis orgias,
incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem trêmula e clarão
na mente pulando nos postes dos pólos de Canadá & Pa-
terson, iluminando completamente o mundo imóvel do
Tempo intermediário,
solidez de Peiote dos corredores, aurora de fundo de quintal
com verdes árvores de cemitério, porre de vinho nos te-
lhados, fachadas de lojas de subúrbio na luz cintilante de
neon do tráfego na corrida de cabeça feita do prazer, vi-
brações de sol e lua e árvore no ronco de crepúsculo de
inverno de Brooklin, declamações entre latas de lixo e a
suave soberana luz da mente,
que se acorrentaram aos vagões do metrô para o infindável
percurso do Battery ao sagrado Bronx de benzedrina até
que o barulho das rodas e crianças os trouxesse de volta,
trêmulos, a boca arrebentada e o despovoado deserto do
cérebro esvaziado de qualquer brilho na lúgubre luz do Zôo-
lógico,
que afundaram a noite toda na luz submarina de Bickford’s,
voltaram à tona e passaram a tarde de cerveja choca no
desolado Fugazzi’s escutando o matraquear da catástrofe
na vitrola automática de hidrogênio,
que falaram setenta e duas horas sem parar do parque ao apê ao
bar ao hospital Bellevue ao Museu à Ponte de Brooklin,
batalhão perdido de debatedores platônicos saltando dos gra-
dis das escadas de emergência dos parapeitos das janelas
do Empire State da lua,
tagarelando, berrando, vomitando, sussurando fatos e lembran-
ças e anedotas e viagens visuais e choques nos hospitais e prisões e guerras,
intelectos inteiros regurgitados em recordação total com os
olhos brilhando por sete dias e noites, carne para a sinago-
ga jogada na rua,
que desapareceram no Zen de Nova Jersey de lugar algum dei-
xando um rastro de cartões postais ambíguos do Centro
Cívico de Atlantic City,
sofrendo amores orientais , pulverizações tangerianas nos ossos
enxaquecas da China por causa da falta da droga no
quarto pobremente mobiliado de Newark,
que deram voltas e voltas à meia-noite no pátio da estação fér-
roviária perguntando-se onde ir e foram, sem deixar cora-
ções partidos,
que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões de carga,
vagões de carga que rumavam ruidosamente pela neve
até solitárias fazendas dentro da noite do avô,
que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz, telepatia e
bop-cabala pois o Cosmos instintivamente vibrava a seus
pés em Kansas,
que passaram solitários paelas ruas de Idaho procurando anjos
índios e visionários,
que só acharam que estavam loucos quando Baltimore apareceu
em êxtase sobrenatural,
que pularam em limusines com o chinês de Oklahoma no impul-
so da chuva de inverno na luz da rua da cidade pequena
à meia-noite,
que vaguearam famintos e sós por Houston procurando jazz
ou sexo ou rango e seguiram o espanhol brilhante para
conversar sobre América e Eternidade, inútil tarefa, e
assim embarcaram num navio para a África,
que desapareceram nos vulcões do México nada deixando
além da sombra das suas calças rancheiras e a lava e a
cinza da poesia espalhadas na lareira de chicago,
que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI de barba e
bermudas com grandes olhos pacifistas e sensuais nas suas
peles morenas, distribuindo folhetos ininteligíveis,
que apagaram cigarros acesos nos seus braços protestando contra
o nevoeiro narcótico de tabaco do capitalismo,
que distribuíram panfletos supercomunistas em Union Suare,
chorando e despindo-se enquanto as sirenes de Los Alamos
os afugentavam gemendo mais alto que eles e gemiam
pela Wall Street e também gemia a balsa da Staten Is-
land,
que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos, nus e
trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,
que morderam policiais no pescoço e berraram de prazer nos
carros de presos por não terem cometido outro crime a não
ser sua transação pederástica e tóxica,
que uivaram de joelhos no Metrô e foram arrancados do telha-
do sacudindo genitais e manuscritos,
que se deixaram foder no rabo por motociclistas santificados e
urraram de prazer,
que enrabaram e foram enrabados por estes serafins humanos, os
marinheiros, carícias de amor atlântico e caribeano,
que transaram pela manhã e ao cair da tarde em roseirais, na
grama de jardins públicos e cemitérios, espalhando livre-
mente seu sêmem para quem quisesse vir,
que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar mas acaba-
ram choramingando atrás de um tabique de banho turco
onde o anjo loiro e nu veio atravessá-los com sua espada,
que perderam seus garotos amados para as tres megeras do destino,
a megera caolha do dólar heterossexual, a megera caolha que pisca de dentro do ventre e a megera caolha que só sabe ficar plantada sobre sua bunda retalhando os dourados fios do tear do artesão,
que copularam em êxtase insaciável com uma garrafa de cerveja,
uma namorada, um maço de cigarros, uma vela, e caíram da cama e continuaram pelo assoalho e pelo corredor e terminaram desmaiando contra a paerede com uma visão da buceta final e acabaram sufocando um derradeiro lampejo de consciência,
que adoçaram trepadas de um milhão de garotas trêmulas
ao anoitecer, acordaram de olhos vermelhos no dia seguin-
te mesmo assim prontos para adoçar trepadas na aurora, bundas luminosas nos celeiros e nus no lago,
que foram transar em Colorado numa miríade de carros roubados
à noite, N.C. herói secreto destes poemas , garanhão
e Adonis de Denver - prazer ao lembrar de suas incontáveis
trepadas com garotas em terrenos baldios e pátios dos
fundos de restaurantes de beira de estrada, raquíticas filei-
ras de poltronas de cinema, picos de montanha, cavernas
ou com esquálidas garçonetes no familiar levantar de saias
solitário á beira da estrada & especialmente secretos solip-
sismos de mictórios de postos de gasolina & becos da cidade
natal também,
que se apagaram em longos filmes sórdidos, foram transportados
em sonho, acordaram num Manhattan súbito e consegui-
ram voltar com uma impiedosa ressaca de adegas de
Tokay e o horror dos sonhos de ferro da Terceira Aveni-
da & cambalearam até as agências de emprego,
que caminharam a noite toda com os sapatos cheios de sangue
pelo cais coberto por montões de neve, esperando que
se abrisse uma porta no East River dando num quarto
cheio de vapor e ópio,
que criaram grandes dramas suicidas nos penhascos de aparta-
mentos de Hudson à luz de holofote anti-aéreo da lua &
suas cabeças receberão coroa de louro no esquecimento,(…)
Allen Ginsberg

Quem Foi Jack Kerouac

Jack Kerouac


Nasceu no Massachussets em 1922. Teve dificuldades econômicas durante a infância, entrou para o time de futebol americano para ganhar uma bolsa na Universidade Columbia de Nova York, para onde se mudou com a família.
Antes de terminar os estudos brigou com o treinador e saiu da faculdade, então, decidiu se alistar na marinha. Não se ajustou e parou na marinha mercante, nas viagens a Nova York saía com os amigos da Universidade, entre eles Allen Ginsberg e William Burroughs, além de seu maior companheiro de viagens Neal Cassadi, o Cowboy. Nesta época ele conheceu seus amigos que formariam o pelotão de elite da chamada Geração Beat, para desgosto da mãe.
Em ON THE ROAD Jack narra a viagem que fez ao lado de Neal, pela rota 66, estrada que cruza o EUA de Leste a Oeste, Dean Moryaty, o protagonista foi totalmente baseado em Neal.


Kerouac começou a escrever um romance, falando sobre os tormentos que sofria para equilibrar a vida selvagem da cidade com os seus valores do velho mundo. Foi o seu primeiro romance publicado, porém não chegou a lhe trazer fama. Passaria muito tempo para que ele publicasse novamente. Na tentativa de escrever sobre as surpreendentes viagens que vinha fazendo com o amigo de Columbia, Neal Cassady, Kerouac experimentou formas mais livres e espontâneas de escrever, contando as suas viagens exatamente como elas tinham acontecido, sem parar para pensar ou formular frases. O manuscrito resultante sofreria 7 anos de rejeição até ser publicado. Jack escrevia vários romances, que ia guardando em sua mochila, enquanto vagava de um lado a outro do país. Escreveu Tristessa obra sobre uma viciada em morfina que vive na cidade do mexico... É um romance triste, cheio de ensinamentos budistas, repleto de compaixão pelo sofrimento humano.

No verão de 1953 Jack Kerouac envolveu-se com uma moça negra, experiência que usou para escrever em 1958 "Os subterrâneos". Escrito em três dias e três noites, Os subterrâneos foi gerado a partir do mesmo tipo de rompante inspiracional que produziu o grande clássico de Kerouac, On the road (traduzido no Brasil no verão de 2007 como Pé na estrada, por Eduardo Bueno) Em 1955 Kerouac apaixonou-se por uma prostituta indígena chamada Esperanza.
Foi publicado pela primeira vez em 1960 e baseado em fatos biográficos.
Sobre o sucesso de On The Road. Joyce Johnson namorada de Jack na época disse “Ele estava agitado e com medo. Ele também sentia que teria de viver para sua imagem pública, pois todos esperariam que ele fosse como Dean Moriarty ou Neal Cassady, mas ele era só Jack Kerouac. Era bastante tímido, preferia ficar num canto olhando, refletindo.”
Nesta mesma época, Jack resolveu se isolar do convívio humano. Subiu até o alto de uma colina e passou longos dias sozinho confinado em uma cabana sem eletricidade e sem vidros nas janelas. Tomava quase uma garrafa de bebida por dia e sofreu com alucinações e paranóias. A experiência foi registrada no livro “Big Sur”, de 1962.
O problema do alcoolismo piorou com o tempo. Derrotado e solitário, vai morar com a sua mãe em Long Island. Seus últimos trabalhos exibiam uma alma desconectada de um ser humano perdido em ilusões. Apesar do estereótipo de beatnik, Kerouac era um conservador, especialmente sob a influência de sua mãe católica. O vigor deu lugar ao cansaço, e o escritor resignou-se a uma vida ordinária.
Frequentemente apaixonado, ele chegou a casar duas vezes ao longo da vida, mas ambos os matrimônios acabaram em poucos meses. Na metade dos anos 60, Jack casa novamente, agora com uma velha conhecida de infância. Ele, a esposa e a mãe mudam para St. Petersburg, na Flórida
Em 21 de outubro de 1969, Jack Kerouac morreu de hemorragia, destruído pela bebida, quando tinha apenas 47 anos, no hospital em St. Petesburg, na Flórida. O amigo e agente literário Allen Ginsberg reverencia seu talento: “Eu não conheço outro escritor que teve influência tão produtiva quanto Kerouac, que abriu o coração como escritor para contar o máximo dos segredos da sua própria mente”.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Charles Bukowski

"Não sei quanto às outras pessoas, mas quando me abaixo para colocar os sapatos de manhã, penso, Deus Todo-Poderoso, o que mais agora?"

"Que tempos difíceis eram aqueles: ter a vontade e a necessidade de viver, mas não a habilidade"

Jack Kerouac Citação

"(...) porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante - pop! - pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos 'aaaaaaah!'. Como é mesmo que eles chamavam esses garotos na Alemanha de Goethe?"

domingo, 27 de abril de 2008

Charles Bukowski

"Eu odeio pessoas, você não? Não. Só quando elas estão perto de mim"

Quando li “Cartas na Rua”, em 1984, dica de uma amiga, na medida em que mergulhava na impactante descrição da vida feita pelo Buck, sem piedade, frescuras e hipocrisia, de vez em quando fechava o livro e pensava, “esse cara é dos meus”. A literatura de Charles Bukowski, autobiográfica, amplamente lúcida e, sob um ponto de vista, até asquerosa, é genial. Como Kerouak, Baudelaire, Breton, Rimbaud, Artaud, Leary e Hemingway - ídolos em seus tempos - tornou-se um ícone da arte marginal. Bukowski, um dos escritores contemporâneos mais influentes, imitados e conhecido por sua linguagem ácida, cheia de palavrões e situações bizarras, nasceu na Alemanha em nove de agosto de 1920 (pai americano e mãe alemã) e mudou-se para os EUA aos três anos. Em sua agitada e etílica existência, coexistiu com as gerações beatnik (a literatura de Buck às vezes é confundida com a beat, mas não tem nada a ver e ele abominava qualquer comparação nesse sentido), hippie e punk, com sua volúpia de beber cerveja, escrevendo a mais pura literatura das ruas, dos bares e do vômito lúcido que exalava de sua máquina de escrever. Anarquista, cínico, marginal, antiacadêmico, anti-grupos literários, lírico, alcoólatra (ele não se achava), machista (no fim da vida mudou um pouco), politicamente incorreto, escatológico, e um sensacional escritor, falava de pessoas comuns, que bebem, que não tem futuro, que correm atrás da grana para pagar as contas e andam na contra mão do “vencedor”, aquele modelo babaca do norte-americano perfeito. Bullshit!!
O Velho Safado, como é conhecido, viveu e morreu (em 1994 aos 74 anos) na Califórnia, em Los Angeles. Tinha um ódio mortal do seu pai psicopata, que constantemente o espancara na infância e adolescência, sem motivos aparentes, aos olhos de sua mãe, omissa. Apelidado de Hank, foi um jovem estranho. Sentia-se como um alien na efervescente Los Angeles do “boom” hollywoodiano, o que era ainda mais acentuado por sua aparência bizarra. Seu rosto era coberto pôr espinhas monstruosas que jorravam pûs. Nos anos 1940 perambulou pelos Estados Unidos, fazendo trabalhos braçais e levando uma vida errante entre brigas e bebedeiras. Sempre adorou as corridas de cavalos e, como um guerreiro que espreita, olha e vê, conquistou seu espaço na literatura a duras penas. Teve textos recusados por revistas e jornais, muitas vezes. Começou a ficar famoso nos anos 1960 e passou a freqüentar festas e eventos de poetas beats, como Allen Ginsberg - quando quase sempre era irônico e manipulador - roubando a cena com seu sarcasmo e sinceridade impiedosa. William Burroughs o esnobava, mas Jean Paul Sartre era seu fã (alguns dizem que ele mesmo inventou isso). Como legado deixa, mais do que os cerca de 50 livros publicados, entre romances, prosas e poesias, a lição de que a vida é feita para ser percorrida com intensidade, em liberdade e sem limites. Uma opção bem complicada para a quase totalidade das pessoas que moram no planeta dinheiro/aparências/poder. Mas lá no íntimo da sua alma, qual seria o real sentimento vivido pelo escritor que escolheu um modo de vida alternativo e desponjado? Para um cara que se achava durão, teve suas pirações, seus medos e inseguranças. E, ao contrário do que muitos pensam, não morreu por causa do álcool, mas sim devido a uma leucemia. E drogas, apesar de ter usado em algumas ocasiões, achava coisa de caretas!

Arte da Transformação
Mulheres”, uma das suas obras mais conhecidas, relata as bebedeiras de Henry Chinaski - um dos seus alter egos - e seus conturbados relacionamentos com várias mulheres: Lilly, Lydia, Valerie, April, Dee Dee, Nicole, Mindy, Tammy, ...etecetaras. As personagens foram baseadas em suas namoradas e casos e, algumas delas, identicando-se, ficaram chocadas com a descrição “sem dó” que o escritor fez. É quase uma viagem lisérgica pelo mundo do sexo, das corridas de cavalo e da ressaca. Tudo bem amarrado, explorando a riqueza dos relacionamentos, retratados cirurgicamente através de um texto direto e avassalador, que disseca a alma e as fraquezas das pessoas, expondo-as ao limite da piração. No clássico “Hino da Tormenta” ele relata a morte de Jane Cooney Baker, uma das suas mulheres mais preferidas e admiradas, e que literalmente bebeu até morrer. Foi uma das fases mais tristes da sua vida. Depois do enterro, bebeu sem parar por semanas e ficou deprimido por meses. Falido e doente, passada a tormenta e a vontade de suicídio, começou a produzir muito, e brilhantemente. Enfim, chamou atenção de editores e críticos como algo novo na literatura. Para ele, a imagem do sonho do “american way of life”, é uma lata de lixo onde ele cospe sangue sujo. E isso era novo, real e interessante. Em alguns poemas de “Hino da Tormenta” fica nítido que, camuflada na aparência decadente de seus personagens, se esconde uma poesia estruturada e ambiciosa, como é o caso do “A Chupada do Gargalo da Garrafa”, onde a rotina de um bar é interrompida por uma mulher desdentada, que não hesita em tirar a roupa em troca de um gole de whiskie, ou o poema:


me levou 15 anos para humanizar a poesia
mas será preciso mais do que eu
para humanizar a humanidade


Admirado por gente como Norman Mailer e Henri Miller, foi transformado em quadrinhos por Robert Crumb e viu filmes serem produzidos a partir dos seus livros. Mickey Rourke e Sean Pean (de quem se tornou amigo - acabaram estremecidos porque Buck achava Madonna decadente) disputaram o papel de Bukowski no cinema. Burfly (1987), com Rourke e Faye Dunaway, é uma ótima trilha visual para sua obra, uma mescla de passagens de vários livros transformado em roteiro por Hank, que acompanhou as filmagens de perto. O grande diferencial do seu trabalho foi descrever a sua própria vida da maneira mais nua possível. Visceral, falou de seus amigos, das amantes (Linda Lee foi a sua esposa preferida), dos companheiros de copo e de trabalho. “Cartas na Rua” é um soco no estômago que descreve os doze anos em que trabalhou no correio, em Los Angeles, nas décadas de 1950 e 1960. Entre a organização de correspondências e pacotes, a entrega de cartas, fodas, idas as corridas, garrafas de vinho barato e vômito no assoalho do seu velho quarto, entre as "coisas nojentas" da sua literatura, Bukowski tem a competência de produzir um texto requintado em relação à condição humana tão “over” em que vivia. O que ele diz não é nítido e claro, porém flui de forma discreta como pequenos goles de Jack Daniels, caubói. A arte de transformar o thrash em emoção. Porém, ao contrário da imagem definitiva que muitos têm, o escritor passou a viver com um certo conforto a partir do início dos anos 1970.

O jornalista inglês Howard Sounes (também biografo de Bob Dylan), ao escrever “Charles Bukowski Vida e Loucuras de um Velho Safado” (Editora Conrad), fez um livro bem legal. E foi fundo. Conversou com quase todos os amigos, amantes, companheiros de copo e familiares do escritor. Teve acesso a correspondência íntima de Bukowski e aos seus trabalhos inéditos. No prefácio ele descreve o genial escritor. “Bukowski tinha uma aparência estranha e um modo peculiar de falar. Era um homem alto, de um metro e oitenta, encorpado, com uma barriga de cerveja, mas sua cabeça parecia grande demais para o corpo, e o rosto era assustador como uma máscara de Frankenstein: queixo comprido, lábios finos, olhos tristes, apertados e encovados”. Uma descrição questionável. Mas, o grande rosto marcado pelas espinhas, o nariz de beberrão e uma barba desigual, isso sim o caracterizava fisicamente. Não gostava de badalações, dar entrevistas e de falar em público, mas dar palestras não era incomum. Um outro trecho do prefácio sintetiza sua atitude anárquica em lidar com a fama: “Certa vez, em São Francisco, levantou-se da cadeira e pegou uma cerveja na geladeira, atrás dele, no palco. A platéia aplaudiu enquanto ele bebia, emborcando a garrafa até tomar a última gota dourada. “Isto não é uma muleta", disse ele, falando lentamente, com uma cadência na voz, como W. C. Fields. "É uma necesssssidade”.
No início dos anos 1990 ganhou de sua filha, Marina, um Macintosh. Fascinado pela utilidade do “brinquedo”, ficou revigorado e voltou a produzir com entusiasmo. Em 1992 escreveu “The Last Night of the Earth Poems”, seu primeiro trabalho com um computador. Uma das coisas mais legais, e que deixou Hank envaidecido nos seus derradeiros anos, foi quando foram a um show do U2, em LA. Bono Vox dedicou o show ao casal Bukowski e um grande urro foi ouvido no estádio (O U2 gravou uma música em sua homenagem, ´Dirt World`). O Velho Safado morreu em nove de março de 1994 deixando a maior parte de sua obra inédita. Bukowski foi, é isso. Um escritor diferente, uma alma em constante ebulição, com uma visão crítica profunda e afiada de uma sociedade repleta de contradições e paradoxos. Sua escolha pelos bares “hard”, pelas putas, pelas quaisquers, pela “escória” dos desamparados, pelos amigos simples e beberrões, pela estética do anti-tudo, pela literatura tosca, crua, mas artisticamente competente, o tornou imortal. Como fã de carteirinha do velho Buck finalizo com um diálogo genial do mestre: "Eu odeio pessoas, você não? Não. Só quando elas estão perto de mim" .


Retirado de "http://www.dynamite.com.br/2003a/view_coluna_action.cfm?id_colunista=22&id_show=1677"

Poemas e Beatnik

sábado, 26 de abril de 2008

O que é beat

Para quem não sabe o que é um beatnick. Resolvi postar esta matéria. Ela tem tudo o que precisa pra começar a entender essa geração.



O que é ser Beat?

Publicado no www.whiplash.net - o mais completo site de rock e metal

Beat - Um termo conhecido mas que poucos conseguem definir objetivamente. O que é ser beat? De onde vem o termo beatnik? E qual é afinal a relação entre a geração beat que ouvia bebop jazz e a geração hippie que ouvia rock?


O que é ser Beat?

"A chave de tudo foi o tédio" - Hal Chase

É relativamente seguro afirmar que se não tivesse havido as aventuras andarilhas dos beats, "descobrindo a verdadeira América" como eles gostam de afirmar, e a literatura posterior relatando estas descobertas, dificilmente se poderia conceber o movimento jovem da década de sessenta, nos termos em que se sucederam. Pois foi justamente esta literatura beat, com livros como "On The Road", que incentivaram milhares de jovens a deixarem seus lares de classe média e igualmente irem explorar por si, seu próprio país. Porém diferente dos beats, muitos destes jovens criaram raízes pelo meio do caminho, formando colônias e comunidades alternativas.

A palavra beat em si é sinônimo para batida ou compasso (seja musical ou cardíaco). A palavra também significa ser vencido. O termo "beat" é gíria antiga, utilizada nas ruas entre as pessoas de poucos meios, basicamente reafirmando a idéia de estar cansado e vencido (pela vida). O termo também passou a se emprestar à escória social para designar uma negociação de tráfico que terminou mal. Pagar por heroína e descobrir depois que levaste açúcar ou talco, é ser beat (vencido).

O termo beat se tornou bem popular entre as décadas de trinta, pós- recessão e quarenta, pós- Segunda Guerra Mundial. Para aqueles que viveram estes tempos na ponta mais baixa da escada social, ser beat é roubar ou ser roubado, é estar no mais baixo da baixaria. É estar sem dinheiro, sem teto, ou sem a dosagem diária necessária de birita ou entorpecente para se atingir o nirvana particular, evitando assim as cólicas da abstinência que ficam sempre à espreita, aguardando escondido nas partes mais sombrias do seu id.

A geração que surgiu entre estes dois períodos foi definida por Jean-Paul Sartre como sendo 'The Lost Generation' - A Geração Perdida. Sua alcunha procurava passar o sentimento de angústia, abandono e desespero daquele período. Lembrando o termo Geração Perdida, reza a lenda que sentados em uma cafeteria em Times Square, em meio a um novembro gélido de 1948, Jack Kerouac e John Clellon Holmes procuravam uma definição para a falta de perspectiva que viam e sentiam ao seu redor. Foi quando Kerouac casualmente filosofou, "somos mesmo uma beat generation". Holmes pulou da cadeira como quem acaba de testemunhar uma revelação divina, e gritou: "É isso! Você está certo!"

Quem são os Beats?

"Aparentemente sou algum especie de agente de outro planeta.
Mas não tive minhas ordens decodificadas ainda"
- William Burroughs

Então, está tudo explicado e definido? Bem... talvez não. Cada um dos escritores identificados como sendo beat definem o termo de uma maneira diferente, quase sempre sob um prisma pessoal. De todos, Kerouac foi o primeiro a fazer questão de dispensar definições mais objetivas, se dando ao trabalho de utilizar a palavra "beat" em contextos diferentes, mantendo assim um aspecto indefinível ao termo.

Outros poetas da chamada geração beat, igualmente desconfortáveis com o modismo que o termo passou a atrair, tentam esvaziar o excesso de mítica criada. Gary Snyder, poeta e autor do livro "Myths And Texts", falou certa vez meio brincando, que não existia na verdade nenhuma 'Geração Beat' pois meia dúzia de pessoas não constituem uma geração. Aparentemente este também é o raciocínio de Hettie Cohen Jones, autora do livro "How I Became Hettie Jones". Ela deduziria que o termo Beat Generation era um nome mal empregado pois, naquela altura, toda a Geração Beat cabia em sua sala de estar, e no seu entender, uma geração inteira não poderia caber em apenas uma sala.

Seria Allen Ginsberg quem mais se esforçaria a definir e projetar o termo beat e a consciência literária que ele sugere. Seu esforço promocional era direcionado a conseguir publicações em revistas de renome e status. Não somente para os seus trabalhos, como também para os dois amigos, cujo trabalho Ginsberg mais respeitava e admirava, Jack Kerouac e William Burroughs. Ginsberg porém, nem sempre foi tão obstinado quanto ao seus objetivos. Ele sofria de dúvidas constantes sobre tudo que ele acreditava que a literatura deveria ser. Isto é, até certo dia, quando recitou "Howl".

É possível concluir hoje em retrospecto que existiam dois grupos ou segmentos distintos de beats. O primeiro, surgindo em Nova York durante a década de quarenta e o outro, se encontrando em San Francisco na década de cinqüenta. O grupo inicial, formava-se sem premeditação quando Jack Kerouac, Allen Ginsberg, John Clellon Holmes, William Burroughs, Herbert Huncke, Lucien Carr, Hal Chase e Gregory Corso se conheceram em diferentes ocasiões durante o decurso do ano de 1943. No ano seguinte conheceram Neal Cassady, de passagem em Nova York vindo do oeste. Juntos e individualmente, criaram uma poesia urbana e uma forma ou estilo de escrever específico e à parte de qualquer outro estilo corrente.
Quase uma década depois, Ginsburg e Kerouac vão juntos para o oeste à procura de Neal Cassady. Primeiro Ginsburg e mais tarde Kerouac acabam se fixando em San Francisco, mesmo que por um curto período. Lá acabam atraídos e atraindo poetas igualmente inconformados com a América dos anos cinqüenta. Uma América onde o boom industrial mais servia como um sedativo, fazendo cada nova invenção em eletrodomésticos o principal fator de interesse das massas.

Neste segundo grupo estão poetas, escritores, artistas e intelectuais como Lawrence Ferlinghetti, Gary Snyder, Kenneth Rexroth, Norman Mailer, David Meltzer, George Herms, Wallace Berman, Bruce Conner, Philip Lamantia, Michael e Joanna McClure e vários outros. Abriram a percepção que estava fechada em literatura urbana para algo mais abrangente, atingindo a pintura e escultura, como também uma literatura que possa falar não só da cidade, como do campo e do espírito. Pode-se deduzir que foi em San Francisco que o beat se tornou de fato um movimento.

Qual Evento Deu Vida Ao Poeta Beat?

"Poetas são amaldiçoados mas não são cegos. Eles enxergam com os olhos dos anjos". - William Carlos Williams

Foi em San Francisco, no dia 7 de outubro de 1955, que um grupo de poetas desconhecidos, sem onde ou como apresentar seus trabalhos, resolvem desafiar o que era considerado bom gosto, e fizeram um recital gratuito em uma galeria velha que ficava no bairro negro da cidade. Postaram cartazes pelos arredores, incluindo o bairro latino vizinho, e realizaram o recital. A galeria era chamado de The Six Gallery, que na verdade tratava-se de uma antiga oficina mecânica transformado naquele ano em galeria de arte. Kerouac, recém-chegado em San Francisco e desconhecido ainda da maioria destes poetas desconhecidos, estava presente apenas como espectador. Ele logo tratou de promover uma vaquinha angariando recursos para comprar algumas garrafas de vinho barato por oitenta e cinco centavos o galão. Tornou-se então parte do programa a distribuição gratuita de vinho tanto para os artistas como para o público, que se calcula em torno de cento e cinqüenta pessoas presentes.

Esta era uma época de repressão moralista, de guerra fria e caça aos comunistas. A censura já conseguira taxar como pornografia para então proibir quadros e livros produzidos dentro do período. Então para o público presente, compostos muitos de negros e latinos, imigrantes de vida difícil, o recital com seus poemas questionando tantas certezas do modo de vida americano, soou particularmente reais. Talvez tenha sido o vinho. Ou o cunho subversivo dos pensamentos em relação a corrente em prática. Talvez não. Até porque não é subversivo, é contracultura, em sua forma mais pura e plena, sem a máquina promocional diluindo sua integridade. Talvez o público tenha ouvido com atenção, aplaudindo de pé, manifestando sua concordância com estes pensamentos e idéias oferecendo gritos espontâneos de é isso aí, porque estas mesmas desilusões eram vivenciadas na pele deles também.

Tendo Kenneth Rexroth como mestre de cerimônias, o programa abriu naquela tarde com Philip Lamantia e suas poesias surrealistas. Seguiu então Philip Whalen, que em seus poemas misturava de forma convincente gênero e ironia beat com teologia Zen budista. Michael McClure recitou poemas sobre a natureza, seja retratando o assassinato de baleias ou amores intensos. Gary Snyder explorava histórias com aventuras na natureza, para oferecer profundos conceitos ecológicos.

Por último, recitou Allen Ginsberg, que já aos vinte e nove anos, neste dia lê pela primeira vez em público, aquele que é considerado até hoje, o poema mais famoso e representativo de toda contracultura beat, "Howl for Carl Solomon".

"I saw the best minds of my generation destroyed by madness,
starving hysterical naked,
dragging themselves through the negro streets at dawn
looking for an angry fix"

"Eu vi as melhores mentes da minha geração destruídas pela loucura,
esfomeados nus e histéricos,
arrastando-se pelas ruas negras no poente
à procura de um rancor injetável".


Após este evento, deu-se início a uma espécie de renascimento da poesia em San Francisco. Começavam a brotar espaços, com recitais em bares e festas praticamente todas as semanas na cidade. Nas palavras de Gary Snyder: "Tivemos a nítida sensação de termos alcançado uma liberdade de expressão, termos nos libertados da Universidade que tanto sufocava os poetas, indo além da tediosa e inútil discussão sobre Bolchevistas versus o Capitalismo que tanto esvaziava a imaginação de tantos intelectuais do mundo".

O poema já foi interpretado de várias formas, e o concenso sugere que se tratava de impressões sobre a vida e a mente humana. Uma visão das entranhas da era Eisenhower, representando as pessoas sofridas e marginalizadas, tornando-se sua voz. "Howl" - Úivo! - é descrito pelo próprio Ginsberg como sendo montado em três partes como uma pirâmide. Trata-se de um protesto contra a automatização desumana da cultura Americana, como também a afirmação da compaixão humana individual. Credita-se a esta leitura no Six Gallery, para uma audiência apreciativa e entusiástica, o ponto crucial para que Ginsberg percebesse sua vocação, perdendo toda e qualquer dúvida que até então lhe atormentava a mente. Todavia Ginsberg não usava o termo "escritor da beat generation", este somente passaria a ganhar asas no final de 1957, após o lançamento de "On The Road" de Jack Kerouac.

A Popularização do Beat

"Imaginação não é apenas sagrada, é necessária. Não é apenas feroz, é prática. Homens morrem todos os dias pela sua ausência, ela é vasto e elegante". - Diane Di Prima

Entre a leitura de "Howl" na Six Gallery em 1955 e a publicação de "On The Road" em 1957, houve o famoso processo jurídico onde Lawrence Ferlinghetti, ao publicar o livro "Howl and Other Poems" de Allen Ginsberg, passou a ser acusado pelo governo de promover pornografia. É um momento histórico desfavorável à mudanças, onde há no governo dissidências radicais. Liderados pelo Senador Joseph McCarthy, criou-se uma cruzada contra atividades rotuladas anti-americanas. Ao final do julgamento, o poema não só foi inocentado, como definido como sendo "de valioso conteúdo social". Mais importante ainda foi a cobertura diária da imprensa no julgamento, que tornou os termos Beat, Beat Poet e Beat Generation repentinamente conhecidos por todo o país, embora raros seriam aqueles que realmente entendiam do que se tratava.

Esta seria uma das primeiras vitórias da arte sobre a censura dentro deste período histórico americano. Mas se a poesia conseguiu vencer na justiça porque não testar as leis com prosa? Foi o que fez Barney Rossett, o corajoso dono da Grove Press, ao publicar o livro "Lady Chatterley's Lovers" de D. H. Lawrence. Romance impregnado de descrições de conduta sexual, dentro e fora do casamento, o livro foi igualmente taxado como pornográfico pela censura, rendendo outra disputa na justiça avidamente acompanhada pela imprensa. Rossett havia se colocado em uma posição onde poderia ser mandado à prisão e defendeu inteligentemente o livro. A justiça lhe deu ganho de causa e escritores de romance puderam escrever mais aliviadamente. Enquanto estes julgamentos se desenrolavam, "On The Road", escrito em três dias em 1951, contando uma série de aventuras que haviam acontecido cerca de cinco anos antes, finalmente é publicado.

Não demorou muito e como que desafiando a justiça a condená-lo, Rossett publicou outro livro, o romance beat intitulado "Naked Lunch", de Williams Burroughs. Este romance não só falava de sexo fora do casamento, mas sexo dentro do casamento com a adição de múltiplos parceiros. Criava cenas contendo sexo homossexual, além de uma contínua prática no uso indiscriminado de entorpecentes pelo seus personagens. Em cada uma destas batalhas judiciais, que acabavam geralmente ganhas pelas editoras, a cobertura da imprensa servia para promover o livro e o autor. Foi assim que América como um todo descobre o movimento literário chamado Beat.

A literatura beat passa a ser ao mesmo tempo elogiada por alguns críticos, como escrachados pelas associações literárias conservadoras e mote de gozações da imprensa em geral. É neste contexto que nasce o termo Beatnik, que surgiu no San Francisco Chronicle em uma coluna assinada por Herb Caen em abril de 1958. O sufixo nik, inspirado do Sputnik, oferece ao beat, a sugestão de ser subversivo, uma vez que Russos e Americanos simbolizavam a antítese entre Comunismo e Capitalismo. Não demoraria muito e Beat seria compreendido como um estilo de escrever, e Beatnik um estilo de viver. Curioso é como o nome beat ressoa bem no subconsciente da mecânica da sociedade consumista. Menos de dois meses depois de "On The Road" e ainda com todo o ba-fa-fá em relação ao julgamento, o termo passa a ser usado em anúncios da gravadora Atlantic para vender discos de jazz.

Foi justamente com este excesso de publicidade em relação aos beats que se criou em San Francisco o que passou a ser visto como o circuito turístico, concentrando-se primordialmente em North Beach, ponto antigo dos beats originais. Passou a aglomerar no local uma horda de gente jovem, a maioria querendo ser ou passando por beats, todos estereotipados com boinas, barbichas e costeletas largas, óculos escuros e tocando bongô enquanto ouvem jazz. O ponto morreu para os autênticos beats, e muitos voltaram para a estrada, alguns indo parar no México, outros na Europa e ao norte da África.

Se a referência original do termo beat era de conotações negativas, foi Ginsberg quem mais se esforçou em abrir o termo para englobar aspirações mais positivas. Beat é tratado como um algo que sugere uma percepção abrangente, aquele que observa sempre de olhos bem abertos. O termo passa a implicar que quando algo é Beat, automaticamente oferece uma percepção particular e real da natureza das coisas. Ser beat é ser aberto e receptivo para uma visão.

Clellon Holmes seria um dos que mais romantizaria a vida beat, transformando degradação e desencantamento em busca intelectual de novos valores. Ele iria definir beat como sendo a versão Americana para o existencialismo europeu. Ser beat, segundo Holmes, era "despir a mente e a alma. Optar por reduzir-se ao que é mais básico, no lugar de aceitar a visão convencional de uma América complacente, próspera e homogênea". Quando, em fevereiro de 1958, foi solicitado pela revista Esquire a definir o movimento do qual fazia parte, escreveu o hoje famoso artigo "The Philosophy of the Beat Generation". Nele Holmes faz questão de esclarecer que a qualidade principal dos personagens do livro "On The Road" de Jack Kerouac, não era a de serem vagabundos boêmios ou destruidores de ícones, mas sim, o fato de estarem em uma busca, que chega ser de uma natureza espiritual. Holmes conclui no final que o Beat Generation é basicamente uma geração religiosa.

Jack Kerouac, que até então sempre fugiu de definições mais específicas, ao ler o artigo de Holmes irritou-se por encontrar nele seguidas referências às drogas. Isto acabaria motivado-o a publicar a sua versão no curioso artigo intitulado "Aftermath: The Philosophy of the Beat Generation", na mesma revista Esquire no mês seguinte. Nele, Kerouac também romantiza um pouco a alienação social dos Beats originais, tornando-os ainda mais atraentes. Define sua geração como "louca, iluminada, viajando pela América de carona." Kerouac usa expressões como estando por baixo, porém cheias de intensidade. Utiliza adjetivos como sérios, curiosos, beateiros, e concluindo que os Beats são belos de uma forma feia, porém graciosa.

Kerouac faz questão de frisar que o termo nada tem a ver com delinqüência juvenil. Beats são pessoas espiritualizadas que não montavam gangues para agredir pessoas, mas pelo contrário, eram andarilhos solitários, porém solidários.

Qual A Herança Beat no Rock?

"Quão tintilante é aquela primeira picada.
Uma vez sentido, jamais esquecido."
- Herbert Hunke

Seria também Kerouac quem primeiro enxergaria e tentaria traçar uma linha entre os Beats originais da década de quarenta e uma nova geração de jovens que surgia na década de cinqüenta. Geração esta que abraça e absorve o que era Beat. Eles são definidos por Kerouac como sendo uma geração pós-Guerra da Coréia, que por um milagre da metamorfose, emerge "cool" e "beat". De fato, vêm desta nova geração a maior parte das nossas referências para a conduta rebelde que seria definida como sendo roqueira nas décadas seguintes.

A linguagem e roupas dos "hipsters" passam a ser adaptadas pela nova geração via cinema. A herança Beat no rock 'n' roll provém inadvertidamente através de imagens geradas pelos ícones da tela grande, propagando a moda Beat que podem ser reconhecidos através de Montgomery Clift com sua jaqueta e Marlon Brando com a camiseta, ambos absorvidos e refletidos nos jovens com ainda maior intensidade através de James Dean. Por último, temos Elvis Presley com as costeletas largas.

Portanto definir o que é Beat, ou Beatnik continua sendo um exercício improdutivo. A força do termo podendo estar no seu poder de existir sem uma categoria ou definição definitiva. Podemos apenas definir o período, que se caracteriza por ser pós-Segunda Guerra Mundial, tendo sua autoconsciência ocorrida em 1948, mas "descoberta" pela mídia quase uma década depois. Com a descoberta, veio a maior aceitação e por consegüinte, maior facilidade de seus autores de conseguir publicar obras que, em alguns casos, foram escritas com até dez anos de antecedência.

A mais óbvia herança é a importância que a cidade de San Francisco ganhou, ponto dos Beats quando surgiram via imprensa para o povo, e mais tarde, já na década seguinte, ponto dos hippies e do surgimento do chamado Acid rock. A cidade passaria então a ser considerada e hoje ainda lembrada como sendo a capital dos hippies. O fim do período mais popular dos Beats, como sendo a ponta de lança de uma nova conscientização, pode ser detectado em 1966, quando a nova geração de jovens intelectuais, os novos "hipsters", embora prezando os Beats, não se enxergam mais como uma extensão do que foi Beat. A geração de sessenta opta por substituir o jazz por Bob Dylan e rock 'n' roll. Igualmente acabam substituindo a maconha por LSD (como alguns Beats o substituíram por morfina). Finalmente se afastam de nomes como Beat e Beatnik para definir-se. Não são mais hipsters. Agora são hippies.

Roqueiros Se Associam Com Os Beats?

"O peso do mundo é o amor.
Sobre a carga de sua solitude, sobre a carga de sua dissatisfação, o peso.
O peso que carregamos é o amor"
- Allen Ginsberg

Vários dos Beats originais se dedicavam ao budismo, comprovando a tese de que a verdadeira geração Beat era mesmo espiritualizada. Philip Whallen tornou-se um pastor Zen budista e abade do centro Zen em San Francisco, onde atuou por mais de vinte e cinco anos. Gary Snyder, além de budista, se tornou um ambientalista atuante conhecido internacionalmente. Michael McClure gravou alguns poemas com Ray Manzarek ao piano colorindo e acentuando passagens, muito como Jack Kerouac havia feito no início de sessenta com Steve Allen ao piano.

Entre outros Beats que ou gravaram ou apareceram em filmes está Laurence Ferlinghetti, que lê um poema no filme "The Last Waltz" de Martin Scorsese. Ken Kesey teve o seu livro "One Flew Over The Cuckoo's Nest" transformado em um filme digno a vencer um Oscar. Mas ninguém esteve em todas como Allen Ginsberg. Por décadas Ginsberg esteve em vários dos grandes festivais e shows importantes. Andou com Bob Dylan, definindo-o como a maior confirmação de que a sua geração Beat não será como uma rua sem saída. Diz Allen, "Quando eu ouvi 'Masters of War' eu chorei. Foi a noção plena que a tocha foi passada para a próxima geração."

Conheceu, conversou e fez amizades com um cem número de personalidades, principalmente no meio musical. De Charles Mingus à Philip Glass, de Beatles e Stones à Clash e Sonic Youth. Allen Ginsberg gravou e se apresentou com Ornette Coleman, Elvin Jones, Herman Wright, Bob Dylan, Dave Mansfield, Arthur Russell, Philip Glass, Steven Taylor, The Clash, The Lounge Lizards, Arto Lindsay, Bill Frisell, Marc Ribot, Paul McCartney, Lenny Kaye, Patty Smith, Gus Van Sant, Thurston Moore e Lee Ranaldo.

Outro dos mais badalados entre os Beats originais é William Burroughs. Igualmente conheceu bem os Rolling Stones quando estes se hospedaram no mesmo hotel que o seu em Tangier, Marrocos. Fez amizades com Lou Reed e David Bowie na década de setenta. Andou com Patti Smith, tendo até comparecido na festa de seu vigésimo nono aniversário. Seus textos e seus personagens dariam nome a inúmeras bandas das décadas que se seguem. Na década de oitenta grava com Laurie Anderson a canção "Sparkey's Night" e depois ainda faz uma pequena aparição no filme "Home Of The Brave", da musicista minimalista. Aparece também em outra ponta no filme "Drugstore Cowboy" de 1989.

Na década de noventa, teve seu romance "Naked Lunch" finalmente transformado em filme. Infelizmente o escritor já havia falecido. Tributos incluem poemas escritos por respeitados poetas roqueiros de Nova York como Richard Hell e Patti Smith. Talvez William Burroughs seja mesmo o nome que mais se vê ligado ao rock. Basta ler alguns de seus romances que serão encontrados expressões como Heavy Metal, Steely Dan, Soft Machine, Naked Lunch e Soft Boys. Todos nomes de livros ou personagens criadas pela mente de Burroughs e que hoje representam nomes de bandas, algumas mais conhecidas do que outras.

A geração Beat acabou, os grandes e mais lembrados nomes estão todos falecidos. Jack Kerouac, Neal Cassady, LeRoy Jones, John Clellon Holmes, Herbert Hunkle, William Burroughs, e por último, Allen Ginsberg. Embora sem a áurea do termo, você encontra poetas escrevendo dentro de um estilo compatível ao Beat. E de tempos em tempos, encontramos poetas musicalmente inclinados que acabam tendo uma carreira relevante, se não popular. Nomes como Ed Saunders, Tuli Kupferberg e Ken Weaver, três escritores que montaram a banda The Fugs na década de sessenta, Patty Smith e Tom Waits na década de setenta, Nick Drake na década de oitenta e John Hall na década de noventa. Aguardamos para conhecer quem irá surgir durante a primeira década deste novo milênio.

Sugestões para sua Biblioteca Beat:

"Desça a rua, qualquer rua, gravando e fotografando tudo que você ouvir e ver. Vá então para casa e escreva a respeito de suas observações, sentimentos, associações e pensamentos. Depois compare suas anotações com as evidências fornecidas pelas fotos e fitas. Descobrirás que sua mente registrou apenas uma fração de sua vivência. O que você deixou de fora talvez seja o que você precise descobrir. A verdade pode aparecer apenas uma vez. Ela pode não ser repetida". - William Burroughs

The Man With The Golden Arm (1949) - Nelson Algren
The Town And The City (1950) - Jack Kerouac
Royal Holiness Of The Far Out And Prophet Of Hip (1951) - Richard Buckley
Go (1952) - John Clellon Holmes
Junky (1953) - William Burroughs
The Desert Music (1954) - William Carlo Williams
The Scene Before You: A New Approach To American Culture (1955) - Chandler Brossard
The Vestal Lady on Brattle (1955) - Gregory Corso
Howl and Other Poems (1956) - Allen Ginsberg
Passage (1956) - Michael McClure
In Defense of Earth (1956) - Kenneth Rexroth
On The Road (1957) - Jack Kerouac
The White Negro (1957) - Norman Mailer
Yugen (1958) - LeRoy Jones and Hettie Cohen
Bomb (1958) - Gregory Corso
The Subterranean (1958) - Jack Kerouac
This Kind of Bird Flies Backwards (1958) - Diana Di Prima
A Coney Island Mind (1958) - Lawrence Ferlinghetti
Ekstasis (1959) - Philip Lamentia
Naked Lunch (1959) - William Burroughs
Narcotica (1959) - Philip Lamentia
Myths & Texts (1960) - Gary Snyder
Self-Portrait from Another Direction (1960) - Philip Whalen
Beatitude Anthology (1960) - Lawrence Ferlinghetti
Minutes To Go (1960) - Brion Gysin, William Burroughs, Gregory Corso e Sinclair Belles
Nobody Knows My Name (1961) - James Baldwin
The Soft Machine (1961) - Williams Burroughs
Preface To A Twenty Volume Suicide Note (1961) - LeRoi Jones
One Flew Over The Cuckoo's Nest (1962) - Ken Kesey
Poems From Jail (1963) - Ed Sanders
Reality Sandwiches (1963) - Allen Ginsburg
Get Home Free (1964) - John Clellon Holmes
The Psychedelic Experience (1964) - Timothy Leary
Nova Express (1964) - William Burroughs
Where Is Vietnam? (1965) - Lawrence Ferlinghetti
Huncke's Journal (1965) - Herbert Huncke
Solitude Crowded With Loneliness (1965) - Bob Kaufman
Desolation Angels (1965) - Jack Kerouac
Ways To Beat The Draft (1966) - Tuli Kauferberg
Mishaps, Perhaps (1966) - Carl Solomon
Satori In Paris (1966) - Jack Kerouac
Word Alchemy (1967) - Lenore Kandel
Nothing More To Declare (1967) - John Clellon Holmes
The Back Country (1968) - Gary Snyder
Memories Of A Beatnik (1969) - Diana di Prima
Tyrannus Nix? (1969) - Lawrence Ferlinghetti
The First Third (1971) - Neal Cassady
Tales of Beatnik Glory (1975) - Ed Sanders
Heart Beat - My Life With Jack And Neal (1976) - Carolyn Cassady
Clean Asshole Poems And Smiling Vegetables Songs (1978) - Peter Orlosvsky
The Day That Superman Died (1980) - Ken Kesey.

Citações:

"A palavra Humano é um adjetivo e seu uso como um nome é em si, lamentável." - William Burroughs

"Quando te pego no meu quarto a só, fingindo que estás dormindo, espero que algum dia você consiga se foder e chegar assim a alguma conclusão quanto ao amor." - Allen Ginsberg

"Minha intuição dizia que esse tal de Ginsberg era apenas a vanguarda de algo maior que viria. Todas as pessoas que como eu, escreviam coisas, apenas para ouvir que jamais seria publicado, agora poderiam finalmente dar um passo à frente e contar seus casos." - Diane Di Prima

"O que torna a linguagem hip uma linguagem especial é o fato que realmente não pode ser ensinado, caso não haja da pessoa uma vivência em comum de relação ou exaustão, que ela é capaz de descrever." - Norman Mailer

"Linguagem é um virus da palavra. Digo que a palavra é um vírus, sendo que um vírus que atingiu equilíbrio com seu hóspede. Ele se multiplica dentro da célula sem feri-la. Pensamos que usamos a palavra, mas na realidade ela é que nos usa. - William Burroughs

"Quão tintilante é aquela primeira picada. Ao mesmo tempo sutilmente doloroso, embora nem tanto, enquanto o olho vigia e então rapidamente tira o olhar, apenas para novamente ficar consciente à pequena pressão contra a parede exterior da veia que aguarda, um instante rejeitando e em seguida antecipando esperançosamente o momento de penetração e reconhecendo as sensações sentidas enquanto aquele pequeno ponto entra na corrente sanguínea, visto pelo vidro da primeira seringa, iniciando um curso de pressão remetendo de volta para a corrente originária diluído com uma maravilhosa nova sensação. Uma vez sentido, jamais esquecido." - Herbert Hunke

"Mentes! Novos amantes! Geração louca! Descendo as pedras do Tempo.
Risadas realmente sagradas no rio! Eles viram tudo! Os olhos alucinados! Os berros sagrados!
Eles deram adeus! Eles pularam do telhado! Para a solitude! Acenando! Carregando flores! Descendo o rio! Desaguando nas ruas!" - Alan Ginsberg.

(Faz-se necessário agradecer e destacar as fontes desta matéria. Primeiro, o livro que me inspirou a escrever este texto, "Beat Down To Your Soul" de Ann Charters. Pesquisa adicional inclui "Painting Beat By Numbers" de Michael McClure, e "Jack's Book" de Barry Clifford e Lawrence Lee).

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Objetivos

Olá. O objetivo deste blog é mostrar um pouco de tudo o que tem movido minha vida. E quem sabe a de vocês também. Ou seja Poesia, Literatura, Música, Cinema, Internet e talvez Televisão.
Portanto pretendo sempre postar um poemas de Fernando Pessoa, Cecília Meirelles, Alvares Azevedo, Byron. Literatura tentarei indicar e expor minha opinião e aceitarei críticas sobre qualquer livro, mas principalmente sobre o Charles Bukowski, Jack Kerouac, Albert Camus. No Campo da música o que vai imperar nos meus posts vai ser o rock, mas sempre hávera espaço para samba, pop e um pouquimhp de reggae e mpb. A música independente terá prioridade. Cinema e internet não tenho idéia do que vou postar ainda. Mas espero visitas.
Valeu se leu até o fim .

Alvaro de Campos

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo

À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!Gênio?
Neste momentoCem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.Não, não creio em mim.Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.Crer em mim?
Não, nem em nada.Derrame-me a
Natureza sobre a cabeça ardenteO seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;Come chocolates!Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,

E fico em casa sem camisa.(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê
-Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!Meu coração é um balde despejado.Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soubeE o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerênciaPor ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.Enquanto o
Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)Visto isto, levanto-me da cadeira.
Vou à janela.O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.Acenou-me adeus, gritei-lhe
Adeus ó Esteves!, e o universoReconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o
Dono da Tabacaria sorriu.

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