domingo, 31 de julho de 2011

462-0614 - Charles Bukowski


 
agora recebo muitas chamadas de telefone
todas iguais.
“é Charles Bukowski ,
o escritor?”
“sim,” eu lhes respondo.
e eles dizem que entendem minha
escrita,
alguns deles são escritores
ou querem ser escritores
e estão em empregos estúpidos e
horríveis
e não conseguem nem encarar a sala
o apartamento
as paredes
essa noite...
querem alguém com quem possam
conversar,
não podem acreditar
que não posso ajudá-los
que não conheço palavras.
não podem acreditar que agora mesmo
me dobro em meu quarto
segurando minhas entranhas
e dizendo
“Jesus, Jesus, Jesus,
de novo não!”
eles não podem acreditar
que as pessoas mal-amadas
as ruas
a solidão
as paredes
também são minhas.
e quando desligo o telefone
eles acham que escondi o
jogo.

Não escrevo a partir da sabedoria
quando o telefone toca
eu também gostaria de ouvir palavras
que pudessem aliviar um pouco alguma
dessas coisas.

e por isso que meu nome esta na
lista.

sábado, 30 de julho de 2011

CERVEJA - Charles Bukowski


não sei quantas garrafas de cerveja consumi
enquanto esperava
que as coisas melhorassem
não sei quanto vinho e quanto whisky
e cerveja
sobretudo cerveja
consumi
após pedaços de mulheres
- à espera que o telefone tocasse
à espera do som dos passos,
e que o telefone tocasse
à espera do som dos passos,
e o telefone nunca toca
a não ser quando é demasiado tarde
e os passos nunca chegam
a não ser quando é demasiado tarde
quando o meu estômago está a subir
a sair pela minha boca
eles chegam frescos como flores primaveris:
"mas que merda fizeste contigo?
demorarão 3 dias até que me possas
dar uma cueca novamente!"

a fêmea é durável
vive sete anos e meio mais que o macho
e bebe muito pouca cerveja
porque sabe que faz mal à figura.

e enquanto nós estamos a enlouquecer
elas saíram
e andam lá fora a dançar e a rir
com cowboys entesados.

pois bem, há cerveja...!
sacos e sacos de garrafas vazias
e quando apanhas um do chão
a garrafa cai através do fundo molhado
do saco de papel
rolando
fazendo barulho
entornando cinza molhada
cerveja fresca,
ou o saco cai às 4 da manhã
produzindo o único som da tua vida.

cerveja...
rios e mares de cerveja...
a rádio a passar canções de amor...
enquanto o telefone permanece silencioso
e as paredes permanecem direitas
de cima abaixo
de cima abaixo...

e cerveja...
cerveja é tudo o que resta.


(tradução de Luís Beirão)

Achei aqui: Casa dos Poetas

Citação Kerouac - Diarios de Jack Kerouac 1947-1954 II

" Tire toda a autoridade oficial de um homem por um instante. São as autoridades oficiais deste mundo as responsáveis por ele ser tão mal utilizado e degradado, tão inabitável. Em meia hora, se você tirar de um homem toda a sua autoridade oficial, eu poderia fazer dele um amigo eterno e charmoso mas devolvam sua autoridade oficial no dia seguinte, e ele pode muito bem me sentenciar á morte. Estamos na Floresta das Ardenas, meus amigos, e aí está o mundo."

Retirado do Livro Diarios de Jack Kerouac (1947-1954) - Editado por Douglas Brinkley

Pra quem ficou se perguntando, o que é essa floresta de Ardenas, copiei da Wikipédia.

No século XX, as Ardenas foram consideradas território pouco propício para manobras militares devido ao seu terreno acidentado e densidade florestal. Contudo, foram o percurso preferido pelos alemães quer na Primeira, quer na Segunda Guerra Mundial, para rapidamente atingir pontos mais fracos da defesa francesa. As Ardenas foram palco de grandes batalhas como:
  • Batalha das Ardenas - Primeira Guerra Mundial, (21-23 de agosto de 1914)
  • Batalha de França - Segunda Guerra Mundial (10 de maio - 22 de junho de 1940)
  • Batalha do Bulge - Segunda Guerra Mundial (16 de dezembro de 1944 - 30 de janeiro de 1945)


    Citação Kerouac - Diarios de Jack Kerouac 1947-1954


    SÁBADO 15 DE MAIO - Fui a uma festa na cidade, vi Beverly de novo – vi Lucien embarcar num avião de manhã - fui a um jogo dos Yankee-Athletics com Tony, cancelado pela chuva - voltei para casa. Este é um rápido resumo do fim de semana, outro dos mais estranhos em minha vida. Sempre parece que quando mais aprendo e nos fins de semana, e ninguém concluiu conscientemente o significado tremendo dos fins de semana americanos, da orgulhosa noite de sábado bem-vestida com seus milhões de premonições de triunfo e alegria, para a sombria noite de domingo com sua solidão doce e amedrontada (vejo ai um foco de minha visão “artística” da vida). Para começar os detalhes desse fins de semana: todo escritor tem seu sonho, claro que todo homem tem seu sonho, e meu sonho, composto de tantas coisas, de júbilo e melancolia profunda e alegria, de doce companheirismo sob a soleira de casa, de humildade e solenidade tristes, de algo como criancinhas, lar, maravilha, afeto, simplicidade, consolo no mundo vasto, de contemplação pesarosa das crônicas das vidas, de pessoas humanas, pessoas que amam e confiam, um milhão de coisas, todas elas sombrias, de alguma forma, pois não reluzem - um sonho, tambem, de uma sociedade sem classes divididas por pompas e vaidades mundanas e invejas - um sonho não da perfeição do mundo, mas de confiança simples, simples desejo de felicidade e gozo, luta simples e sincera, e intenções piedosas - algo doce, sombrio, e quantas palavras terei de juntar para explicar isso! - bem, isto, o meu sonho, foi abalado este fim de semana por Beverly. Aparentemente ela não confia em mim porque “não tenho um emprego” - não consegue entender quem e o que sou - e eu, que acredito tanto na necessidade de uma sociedade sem classes, vejo que estamos divididos por opiniões de classe, ou percepções de classe, ou o que quer que seja. Há muito poucas coisas que eu posso dizer a ela, há muito pouco que ela possa me dizer que vá despertar qualquer coisa em mim. Somos separados por “educação” e “classe”, e essas são, para mim, de alguma forma as enigmáticas raízes de todo o mal. Essas são as coisas, as coisas divisoras do mundo, que causam tanta incompreensão e contracorrentes em meio a um mundo inteiro de pessoas que poderiam se dar bem, como Jesus teria desejado, com doçura, simplicidade, confiança. Em meu sonho de uma casa, júbilo e a vida simples e bom propósito, eu achava Beverly apropriada, porque ela tinha todas as qualidades. Mas se eu posso tê-la rejeitado por um detalhe o fato de que ela não conseguia se comunicar com minhas preocupações mais complexas (como esta vendo, e elas nem são tão complexas) - em vez disso, acreditando meu sonho, eu a aceitei e a queria por essas qualidades terrenas que com minhas fraquezas de mais classe. minha literatura, meu conhecimento pesaroso, minha letargia de contemplação e simpatia - mas se eu podia rejeitá-la, em vez disso ela me recusou, porque aparentemente eu não era de sua terra. E isso e algo em que me recuso acreditar, com um horror moral - esta é a desnecessária loucura divisora das pessoas outra vez. - É a loucura dela, não a minha, porque ela não consegue perceber que eu sou tanto da terra dela quanto de meu mundo - bom Deus, todo mundo é. Por que todas essas distinções? Por que o medo e a desconfiança? Se, por outro lado, ela me rejeitou acreditando que eu não “daria bom marido” devido à penúria congênita - como ficava evidente em meus encontros com ela - se ela é uma interesseira, claro que isso não importa. Mas não tenho qualquer prova de que ela seja interesseira, apesar de eu querer confirmar isso de algum jeito. Meu sonho está abalado - eu mesmo estou abalado -gostaria que todos na terra parassem de olhar de soslaio uns para os outros por causa de alguma diferença infinitesimal sobre o grande céu universal É tão absurdo quanto a ereção de uma pulga, considerando-se tudo ao redor. Sou tão culpado quanto ela por fazer distinções e tomar decisões? Eu a escolhi, afinal de contas, “entre milhões” - essa era a minha idéia” Eu fiz a primeira distinção. Mas agora perdi o rastro de meu pensamento, se há algum. É suficiente que eu tenha um sonho, um ideal de vida mais importante para mim que a casualidade e a “realidade" fria, e que isso foi abalado porque um abismo escancarou-se bem no meio dela. Sonhei com uma vida simples, escolhi uma garota simples, e ela dá as costas e se pergunta se não sou um vagabundo errante porque não “tenho um emprego”. eu não trabalho (!) e por aí vai, porque eu falo de uma fazenda ou de um rancho. Em outras palavras, talvez, eu contei a ela sobre mim e ela ficou estupefata pelas contradições que para ela nunca vão conseguir funcionar. Ah, eu não sei. Eis o dilema: - eu devo, em nome de Deus. casar-me com uma garota intelectual para ser compreendido e amado? Então esse é um enigma novo - para ser esclarecido mais tarde.

    Retirado do livro Diarios de Jack Kerouac (1947-1954) - Editado por Douglas Brinkley

    sábado, 23 de julho de 2011

    a última - W. S. Merwin



    Eles decidiram estar por toda parte. Por que não?
    Todos os lugares eram deles porque sim.
    Eles tinham mãos de lâminas e tinham o desprezo dos pássaros.
    No caminho que fica entre as pedras, decidiram.
    E então começaram a derrubar.

    E eles cortaram tudo. Por que não?
    Todas as coisas eram deles porque era assim que eles pensavam.
    Ela caiu em suas próprias sombras e eles a levaram.
    Alguma coisa para ter, alguma coisa para guardar.

    Cortando tudo eles chegaram até a água.
    E quando o dia acabou ainda restava uma de pé.
    Eles foram embora e deixaram para derrubá-la no dia seguinte.
    A noite aninhou-se nos seus últimos galhos.
    A sombra da noite juntou-se à sombra sobre a água.
    A noite e a sombra formaram uma só cabeça.
    E a que restava decidiu que ficaria.

    Pela manhã eles cortaram a que restava.
    Como as outras a última caiu em sua própria sombra.
    Em sua própria sombra sobre a água.
    Eles a carregaram a sombra permaneceu na água.

    Eles encolheram os ombros e começaram a tentar demover a sombra.
    Cortaram até o nível do chão a sombra continuou intacta.
    Cobriram a sombra com tábuas ela apareceu por cima.
    Iluminaram a sombra ela ficou mais escura mais brilhante.
    Explodiram a água a sombra balançou.
    Decidiram fazer uma enorme fogueira com raízes.
    Uma fumaça negra subiu entre a sombra e o sol.
    A nova sombra se espalhou sem alterar a antiga.
    Eles encolheram os ombros foram buscar pedras.

    Voltaram e viram que a sombra estava crescendo.
    Atiraram pedras sobre ela e ela continuou crescendo.
    Enquanto olhavam para os lados, ela continuava crescendo.
    Decidiram transformar tudo aquilo em pedra.
    Trouxeram mais pedras e as jogaram sobre a sombra.
    A sombra se sobrepunha sem fim e continuava crescendo.
    Isto foi um dia.

    Na manhã seguinte aconteceu o mesmo ela continuava crescendo.
    Eles tudo fizeram tudo permaneceu igual.
    Resolveram retirar a água debaixo da sombra.
    Retiraram e a água baixou de nível.
    A sombra continuou no mesmo lugar de antes.
    Continuou crescendo e se espalhou pela terra.
    Eles começaram a raspar a sombra com máquinas.
    As máquinas tocavam nela ela penetrava nas máquinas.
    Eles começaram a tratar a sombra a porradas.
    Quando os paus atingiram a sombra ela penetrava neles.
    Eles começaram a bater na sombra com os punhos.
    Quando os punhos batiam na sombra ela penetrava neles.
    Isso foi no outro dia.

    No dia seguinte eles começaram tudo de novo ela continuou crescendo.
    Acenderam luzes contra a sombra.
    Por onde a sombra passava as luzes se apagavam.
    Começaram a pisar na margem da sombra e ela agarrou seus pés.
    E quando a sombra agarrou seus pés eles caíram.
    E quando ela alcançou seus olhos eles ficaram cegos.
    A sombra cresceu sobre os que caíram e eles sumiram.
    Os que podiam enxergar ficaram parados.
    Os que ficaram cegos e entraram nela sumiram
    suas sombras foram engolidas.
    Depois seus corpos foram engolidos.
    Então os outros fugiram.
    Os sobreviventes saíram pelo mundo e viveriam se a sombra lhes permitisse.
    Foram o mais longe possível.
    Os que tinham mais sorte levando suas sombras.

    Livro: Quingumbo - A nova poesia norte americana
    |Tradução: Nei Leandro de Castro

    Trecho de Tristessa - Jack Kerouac

    "... eu gostaria de dizer a ela em espanhol a benção inestimável e ilimitavel que receberá de qualquer forma no Nirvana. Mas eu a amo, me apaixono por ela. Ela acaricia meu braço com o dedo. Eu adoro. Tento me lembrar de meu lugar e minha posição na eternidade. Renunciei a luxúria com as mulheres - renunciei a luxúria pela luxúria - renunciei à sexualidade e ao impulso inibidor - quero entrar na torrente sagrada de luz e ficar seguro em meu caminho para outra margem, mas deixaria, de boa vontade, um beijo para Tristessa por escutar os apelos de meu coração. Ela sabe que eu a amo e admiro com todo meu coração e eu estou me segurando. "Você tem a sua vida" diz ela para Old Bull (e sobre ele em um minuto) "e eu tenho que cuidar da minha, e Jack tem a vida dele", apontando para mim, ela me devolve minha vida e não a exige para si mesma como fazem tantas mulheres que você ama. Eu a amo mas quero partir. Ela diz: "Eu sei, um homem y uma mulher estão condenados - ""quando querem estar condenados" -. Ela balança a cabeça, confirma para si mesma alguma sombria crença asteca instintiva, sábia"
    "... Ela compreende o carma, e diz " O que faço é ceifar", diz em espanhol - "Homens e mulheres cometem errores - erros, falhas, pecados, faltas," seres humanos semeiam com problemas sua própria terra,  tropeçam nas pedras de sua imaginação falsa e errada, e a vida é dura. Ela sabe, eu sei, você sabe. - "Mas eu quero tomar um dose - morfina - e não ficar mais com essa vontade." Ela encurva os ombros com rosto de camponesa, compreendendo a si mesma de uma maneira que eu não consigo e quando olho para ela sob o tremeluzir da vela sobre as maçãs protuberantes de seu rosto ela parece tão bonita quanto uma Ava Gardner Negra, uma Ava marrom de rosto comprido e ossos compridos e olhos semicerrados de cílios compridos - Só que Tristessa não tem essa expressão de um sorriso sexual, tem a expressão de menosprezo indígena de rosto triste e abatido para o que você acha de sua beleza mais que perfeita. Não que seja uma beleza perfeita com a de Ava, ela tem falhas, erros, mas todos os homens e mulheres os têm e por isso todas as mulheres perdoam os homens e os homens perdoam as mulheres e eles seguem seus caminhos sagrados para morte..."

    domingo, 17 de julho de 2011

    Prece a grande familia - Gary Snyder

    Gratidão à mãe Terra, que navega noite e dia –
    e a seu solo: rico, raro e doce
    em nossas mentes assim seja.

    Gratidão às Plantas, à folha voltada pro sol,
    que se transforma com a luz
    e pelos radiculares vistoso; em pé, firme
    resistindo ao vento
    e à chuva; sua dança está no grão espiral que brota
    em nossas mentes assim seja.

    Gratidão ao Ar, que sustenta o Andorinhão planador e
    a silenciosa Coruja ao amanhecer. Sopro da nossa canção
    puro espírito da brisa
    em nossas mentes assim seja.

    Gratidão aos Seres Selvagens, nossos irmãos e irmãs,
    que ensinam
    segredos, liberdades e caminhos; que

    compartilham conosco seu
    leite; íntegros, corajosos e atentos
    em nossas mentes assim seja.

    Gratidão à água: nuvens, lagos, rios, geleiras;
    contendo ou liberando; fluindo totalmente
    nossos corpos mares salgados
    em nossas mentes assim seja.

    Gratidão ao Sol: pulsante e ofuscante luz que atravessa
    troncos de árvores e atravessa névoas e aquece
    cavernas onde

    ursos e cobras dormem – ele que nos desperta –
    em nossas mentes assim seja.

    Gratidão ao Grande Céu
    que comporta bilhões de estrelas - e vai ainda além –
    além de todos os poderes pensamentos
    e ainda está dentro de nós –
    Avô Espaço.
    A Mente é sua Esposa.

    assim seja.

    após um prece Mohawk

    Em troca de Nada - Gary Snyder

    A terra é uma flor
    Um flox nos íngremes
    declives de luz
    pendendo sobre os vastos
    sólidos espaços
    pequenos cristais apodrecidos;
    sais.
    A terra é uma flor
    próxima à escarpa onde um corvo
    passa batendo as asas uma vez
    um relance, uma cor
    esquecida como tudo
    desaparece.
    Uma flor
    em troca de nada;
    uma oferta;
    sem comprador;
    Neve pingando, feldspato, imundície.

    Religiões - Gary Snyder

    É bom lembrar que todas as religiões contêm noventa por cento de fraude e são responsáveis por numerosos males sociais. Mesmo assim, dentro da geração beat verifica-se a existência de três tendências:
    1. Busca da visão e da iluminação. Esse resultado é obtido geralmente pelo uso sistemático de drogas. A marijuana é um recurso de consumo diário e o peiote é o verdadeiro estimulante da percepção. Tanto um como o outro são complementados às vezes por práticas iogues, álcool ou similares. Embora uma boa parte de auto-consciência possa ser obtida pelo uso inteligente das drogas, o hábito de "drogar-se" não conduz a nada porque falta exatamente inteligência, vontade e compreensão. Uma sensação puramente pessoal, obtida às custas de um tóxico, não beneficia ninguém.
    2. Amor, respeito à vida, abandono, Whitman, pacifismo, anarquismo, etc. Todas essas tendências são provenientes de inúmeras tradições, entre as quais a religião Quakers, o Budismo Shinshu, o Sufismo, etc. Todas são frutos de um coração generoso e apaixonado. Em suas manifestações mais dignas, essas tendências levaram algumas pessoas a condenarem ativamente as guerras, fundar comunidades e amarem-se umas às outras. Em parte, elas também são responsáveis pela mística dos "anjos", a glorificação das viagens a pé e das caronas, bem como por uma forma de entusiasmo inconsciente. Se respeitam a vida, não respeitam a sabedoria da impassibilidade e a morte. E essa é uma de suas falhas.
    3. Disciplina, estética e tradição. Essas tendências são bem anteriores ao surgimento oficial da geração beat. Diferenciam-se da doutrina "Tudo é um" na medida em que seus praticantes estabeleceram uma religião tradicional, tentaram incorporar o sentimento de sua arte e de sua história, e praticam qualquer ascese que for necessária. Uma pessoa pode tornar-se um dançarino aimu ou um xamã yurok, ou até mesmo um monge trapista, se ela realmente o deseja. O que falta nesse tópico, é o que os dois primeiros possuem, ou seja, uma existência perfeitamente adaptada à realidade do mundo e percepções realmente verdadeiras do inconsciente.
    A conclusão prosaica é a seguinte: se uma pessoa não for capaz de compreender todos esses aspectos - contemplação (que não seja pelo uso de drogas), moralidade (que para mim significa protesto social) e sabedoria - ela não estará à altura de levar uma autêntica vida beat. Mesmo assim, poderá ir bastante longe nessa direção, o que é preferível que ficar rodando pelas salas de aula ou escrever tratados sobre o budismo e a felicidade das massas, como os caretas fazem com tanto sucesso.

    PROTOPIA

    o que eles querem - Charles Bukowski

    Vallejo escrevendo sobre
    solidão enquanto morria de
    fome;
    a orelha de Van Gogh rejeitada por uma
    puta;
    Rimbaud correndo para a África
    em busca de ouro e encontrando
    um caso incurável de sifílis;
    Beethoven ficou surdo;
    Pound foi arrastado pelas ruas
    numa gaiola;
    Chatterton tomou veneno para rato;
    o cerébro de Hemingway pingando dentro
    do suco de laranja;
    Pascal cortando os pulsos na banheira;
    Artaud trancado com os loucos;
    Dostoiévski de pé contra o muro;
    Crane pulando na hélice de um barco;
    Lorca baleado na estrada pelo exército
    espanhol;
    Berryman pulando de uma ponte;
    Burroughs atirando na mulher;
    Mailer esfaqueando a sua;
    - é isso o que eles querem:
    o danado de um show
    uma placa luminosa
    no meio do inferno.
    é isso o que eles querem,
    aquele bando de
    estúpidos
    inarticulados
    tranquilos
    seguros
    admiradores de
    carnavais.

    segunda-feira, 11 de julho de 2011

    Paulo Leminski - Poemas

    Redonda. Não, nunca vai ser redonda
    Essa louca vida minha
    Essa minha vida quadrada,
    Quadra, quadrinha,
    Não, nada,
    Essa vida não vai ser minha.

    Vida quebrada ao meio,
    Você nunca disse a que veio



    No Instante do entanto

    Diga minha poesia
    E esqueça-me se for capaz
    Siga e depois me diga
    Quem ganhou aquela briga
    Entre o quanto e o tanto faz


    Olinda Wischral

    Pessoas deviam poder evaporar
    Quando quisessem
    Não deixar por aí
    Lembranças pedaços carcaças
    Gotas de sangue caveiras esqueletos
    E esses apertos no coração
    Que não me deixam dormir


    Take P/Bere

    Foi tudo muito súbito
    Tudo muito susto
    Tudo assim como a resposta
    Fica quando chega a pergunta

    Esse isso meio assunto
    Que é quando a gente está longe
    E continua junto



    Esse planeta, às vezes , cansa,
    Almas pretas com suas caras brancas
    Suas noites de briga barba,
    Sujas tardes de água mansa,
    Minutos de luz e pavor

    Casa cheia de doce,
    Ondas tinindo de dor,
    Acabou-se o que era amargo,
    Pisar este planeta
    Como quem esmaga uma flor



    Misto de Tédio e Mistério
    Meio dia / meio termo
    Incerto ver nesse inverno
    Medo que a noite tem
    Que o dia acorde mais cedo
    E seja eterno o amanhecer



    Nunca sei ao certo
    Se sou um menino de dúvidas
    Ou um homem de fé

    Certezas o vento leva
    Só dúvidas continuam de pé


    domingo, 10 de julho de 2011

    Let’s Play That - Torquato Neto


    quando eu nasci
    um anjo louco muito louco
    veio ler a minha mão
    não era um anjo barroco
    era um anjo muito louco, torto
    com asas de avião
    eis que esse anjo me disse
    apertando a minha mão
    com um sorriso entre dentes
    vai bicho desafinar
    o coro dos contentes
    vai bicho desafinar
    o coro dos contentes
    let’s play that

    sexta-feira, 8 de julho de 2011

    Cut-Up - William Burroughs

    “A vida é um cut-up.
    O que é a vida senão uma seqüência mais ou menos ilógica de acontecimentos
    que não se prestam a nenhum segundo para fazer sentido?
    A cada vez que se olha pela janela ou que se anda pela rua, a consciência 
    descreve círculos, vai de frente para trás e vice-versa [...] uma das tarefas da
    arte é chegar o mais perto possível do mecanismo da percepção. (1973)"


    Um pouco mais de Cut-Up aqui: Cut-up

    quinta-feira, 7 de julho de 2011

    Já vi mendigos demais com os olhos vidrados bebendo - Charles Bukowski

    já vi mendigos demais com os olhos vidrados bebendo
    vinho barato debaixo da ponte
    você se senta comigo
    no sofá
    nesta noite
    nova mulher.
    você já viu os
    documentários
    sobre animais carnívoros?
    eles mostram a morte.
    e agora me pergunto
    que animal entre
    nós dois
    devorará
    primeiro o outro
    física e
    por fim
    espiritualmente?
    nós consumimos animais
    e então um de nós
    consome o outro,
    meu amor.
    enquanto isso
    prefiro que você vá
    primeiro e do primeiro jeito
    se os gráficos de performance passadas
    significarem alguma coisa
    eu certamente irei
    primeiro e do último
    jeito.

    domingo, 3 de julho de 2011

    Feno para os Cavalos - Gary Snyder


    Hay For The Horses


    Ele dirigiu metade da noite
    Vindo longe de San Joaquin
    Atravessando Mariposa, acima
    Nas perigosas estradas da serra,
    E descarregou às oito da manhã
    A carga de fardos de feno
    atrás do celeiro.
    Com guinchos, cordas e ganchos
    Nós amontoamos todos os fardos
    Até o madeirame rubro do telhado
    Alto no escuro, farpas de alfafa
    Giravam nas frestas de luz,
    Coceira de pó de feno adentra
    Calçados e roupas suorentas.
    Almoço sob o escuro carvalho
    Fora do aquecido curral,
    - A velha égua farejando baldes de ração,
    Gafanhotos estalando na grama -
    “Estou com 68” ele disse,
    “Passei a juntar feno aos 17.
    Pensei quando comecei naquele dia,
    Que odiaria fazer isso a vida toda.
    E dane-se, eis o que
    Tenho feito e refeito.”


    trad. Leonardo de Magalhaens
    .

    Hay For The Horses
    He had driven half the night
    From far down San Joaquin
    Through Mariposa, up the
    Dangerous mountain roads,
    And pulled in at eight a.m.
    With his big truckload of hay
    behind the barn.
    With winch and ropes and hooks
    We stacked the bales up clean
    To splintery redwood rafters
    High in the dark, flecks of alfalfa
    Whirling through shingle-cracks of light,
    Itch of haydust in the
    sweaty shirt and shoes.
    At lunchtime under Black oak
    Out in the hot corral,
    --The old mare nosing lunchpails,
    Grasshoppers crackling in the weeds --
    "I'm sixty-eight" he said,
    "I first bucked hay when I was seventeen.
    I thought, that day I started,
    I sure would hate to do this all my life.
    And dammit, that's just what
    I've gone and done."
    ...


    Canção do Amanhã - Gary Snyder

    Os states lentamente  perderam seu mandato
    da metade até o fim do século
    nunca deram às montanhas e rios,
    árvores e animais,   
    um voto.  
    todas as pessoas os repudiaram
    mitos morrem;
    até  continentes são impermanentes
    Turtle Island* retornou 
    meu amigo abriu fezes secas de coiote
    retirou um dente de roedor
    perfurou e pendurou
    numa argola de ouro
    na sua orelha.
    Olhamos pro futuro com prazer
    não precisamos de combustível fóssil
    obtemos poder de nosso interior
    crescemos fortes com menos.
    Agarramos as ferramentas
    e nos movemos no ritmo lado a lado 
    lampejos de lucidez e de conhecimento
    olho no olho                                                
    sentados quietos como gatos ou pedras
    tão completos e seguros
    como o céu noturno azulado.
    dóceis e inocentes como lobos 
    tão enganosos como um príncipe.   
    No trabalho e em nosso lugar:   
    a serviço
    do mundo selvagem
    da vida
    da morte
    dos seios da Mãe!