sábado, 30 de julho de 2011

Citação Kerouac - Diarios de Jack Kerouac 1947-1954


SÁBADO 15 DE MAIO - Fui a uma festa na cidade, vi Beverly de novo – vi Lucien embarcar num avião de manhã - fui a um jogo dos Yankee-Athletics com Tony, cancelado pela chuva - voltei para casa. Este é um rápido resumo do fim de semana, outro dos mais estranhos em minha vida. Sempre parece que quando mais aprendo e nos fins de semana, e ninguém concluiu conscientemente o significado tremendo dos fins de semana americanos, da orgulhosa noite de sábado bem-vestida com seus milhões de premonições de triunfo e alegria, para a sombria noite de domingo com sua solidão doce e amedrontada (vejo ai um foco de minha visão “artística” da vida). Para começar os detalhes desse fins de semana: todo escritor tem seu sonho, claro que todo homem tem seu sonho, e meu sonho, composto de tantas coisas, de júbilo e melancolia profunda e alegria, de doce companheirismo sob a soleira de casa, de humildade e solenidade tristes, de algo como criancinhas, lar, maravilha, afeto, simplicidade, consolo no mundo vasto, de contemplação pesarosa das crônicas das vidas, de pessoas humanas, pessoas que amam e confiam, um milhão de coisas, todas elas sombrias, de alguma forma, pois não reluzem - um sonho, tambem, de uma sociedade sem classes divididas por pompas e vaidades mundanas e invejas - um sonho não da perfeição do mundo, mas de confiança simples, simples desejo de felicidade e gozo, luta simples e sincera, e intenções piedosas - algo doce, sombrio, e quantas palavras terei de juntar para explicar isso! - bem, isto, o meu sonho, foi abalado este fim de semana por Beverly. Aparentemente ela não confia em mim porque “não tenho um emprego” - não consegue entender quem e o que sou - e eu, que acredito tanto na necessidade de uma sociedade sem classes, vejo que estamos divididos por opiniões de classe, ou percepções de classe, ou o que quer que seja. Há muito poucas coisas que eu posso dizer a ela, há muito pouco que ela possa me dizer que vá despertar qualquer coisa em mim. Somos separados por “educação” e “classe”, e essas são, para mim, de alguma forma as enigmáticas raízes de todo o mal. Essas são as coisas, as coisas divisoras do mundo, que causam tanta incompreensão e contracorrentes em meio a um mundo inteiro de pessoas que poderiam se dar bem, como Jesus teria desejado, com doçura, simplicidade, confiança. Em meu sonho de uma casa, júbilo e a vida simples e bom propósito, eu achava Beverly apropriada, porque ela tinha todas as qualidades. Mas se eu posso tê-la rejeitado por um detalhe o fato de que ela não conseguia se comunicar com minhas preocupações mais complexas (como esta vendo, e elas nem são tão complexas) - em vez disso, acreditando meu sonho, eu a aceitei e a queria por essas qualidades terrenas que com minhas fraquezas de mais classe. minha literatura, meu conhecimento pesaroso, minha letargia de contemplação e simpatia - mas se eu podia rejeitá-la, em vez disso ela me recusou, porque aparentemente eu não era de sua terra. E isso e algo em que me recuso acreditar, com um horror moral - esta é a desnecessária loucura divisora das pessoas outra vez. - É a loucura dela, não a minha, porque ela não consegue perceber que eu sou tanto da terra dela quanto de meu mundo - bom Deus, todo mundo é. Por que todas essas distinções? Por que o medo e a desconfiança? Se, por outro lado, ela me rejeitou acreditando que eu não “daria bom marido” devido à penúria congênita - como ficava evidente em meus encontros com ela - se ela é uma interesseira, claro que isso não importa. Mas não tenho qualquer prova de que ela seja interesseira, apesar de eu querer confirmar isso de algum jeito. Meu sonho está abalado - eu mesmo estou abalado -gostaria que todos na terra parassem de olhar de soslaio uns para os outros por causa de alguma diferença infinitesimal sobre o grande céu universal É tão absurdo quanto a ereção de uma pulga, considerando-se tudo ao redor. Sou tão culpado quanto ela por fazer distinções e tomar decisões? Eu a escolhi, afinal de contas, “entre milhões” - essa era a minha idéia” Eu fiz a primeira distinção. Mas agora perdi o rastro de meu pensamento, se há algum. É suficiente que eu tenha um sonho, um ideal de vida mais importante para mim que a casualidade e a “realidade" fria, e que isso foi abalado porque um abismo escancarou-se bem no meio dela. Sonhei com uma vida simples, escolhi uma garota simples, e ela dá as costas e se pergunta se não sou um vagabundo errante porque não “tenho um emprego”. eu não trabalho (!) e por aí vai, porque eu falo de uma fazenda ou de um rancho. Em outras palavras, talvez, eu contei a ela sobre mim e ela ficou estupefata pelas contradições que para ela nunca vão conseguir funcionar. Ah, eu não sei. Eis o dilema: - eu devo, em nome de Deus. casar-me com uma garota intelectual para ser compreendido e amado? Então esse é um enigma novo - para ser esclarecido mais tarde.

Retirado do livro Diarios de Jack Kerouac (1947-1954) - Editado por Douglas Brinkley

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