sábado, 12 de dezembro de 2009

Ao acender um charuto - Bukowski

Ao acender um charuto
não pedimos misericórdia,
milagres;
(se ao menos houvesse menos moscas ao redor
enquanto refletimos sobre nossas imbecilidades e perdas!)

acendo um charuto, me reclino
lembro
amigos mortos dias mortos amores mortos;
tanto se foi para muitos de nós,
até para os jovens, especialmente os jovens
porque eles perderam o início e têm
o resto do caminho para ir;
mas não é estranho, tudo o que consigo pensar agora são
pepinos, laranjas, terrenos baldios, a
velha cadeia de Lincoln Heights e
os amores perdidos que foram tão ásperos
e quase nos levaram ao extremo,
os rostos agora sem traços,
as camas do amor esquecidas.

a mente é gentil: ela guarda as
coisas importantes:
pepinos
laranjas
terrenos baldios
cadeias.

eu matei uma mosca aquele pedacinho de vida morto

como um amor morto.
costumava haver mais de 100 de nós naquela salona
naquela cadeia
eu estive lá dentro muitas
vezes.
você dormia no chão
homens pisavam na tua cara quando iam mijar.
sempre uma falta de cigarros.
nomes eram chamados durante a noite
(dos poucos sortudos que saíam sob fiança)
nunca você.

não pedíamos misericórdia ou milagres
e não pedimos nada
agora;
pagamos nossas dívidas, ria se quiser,
nós fomos pêlos únicos caminhos que haviam para ir.

e quando o amor veio a nós pela segunda vez
e mentiu para nós pela segunda vez
decidimos nunca mais amar novamente
isso era justo
justo com a gente
e justo com o amor mesmo.

não pedimos misericórdia ou
milagres;
somos fortes o suficiente para viver
e para morrer e para
matar moscas,
assistir às lutas de boxe, ir às corridas,
viver de sorte e perícia,
ficar sozinho, ficar sozinho frequentemente,
e se você não conseguir dormir sozinho
tome cuidado com o que disser enquanto dorme
e
não peça misericórdia
milagres;
não se esqueça:
o tempo existe é para ser desperdiçado,
o amor fracassa
e a morte é inútil.


Tradução de Fernando Koproski

O que há em mim é sobretudo cansaço

Fernando Pessoa - Alvaro de Campos
 
    O que há em mim é sobretudo cansaço — 
    Não disto nem daquilo, 
    Nem sequer de tudo ou de nada: 
    Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
    Cansaço.
    A sutileza das sensações inúteis, 
    As paixões violentas por coisa nenhuma, 
    Os amores intensos por o suposto em alguém,  
    Essas coisas todas — 
    Essas e o que falta nelas eternamente —; 
    Tudo isso faz um cansaço, 
    Este cansaço, 
    Cansaço. 
    Há sem dúvida quem ame o infinito, 
    Há sem dúvida quem deseje o impossível, 
    Há sem dúvida quem não queira nada — 
    Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: 
    Porque eu amo infinitamente o finito, 
    Porque eu desejo impossivelmente o possível, 
    Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,  
    Ou até se não puder ser... 
    E o resultado? 
    Para eles a vida vivida ou sonhada,  
    Para eles o sonho sonhado ou vivido, 
    Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...  
    Para mim só um grande, um profundo, 
    E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,  
    Um supremíssimo cansaço,  
    Íssimno, íssimo, íssimo, 
    Cansaço...

sábado, 21 de novembro de 2009

Hai Kai - Paulo Leminski

HAI

       Eis que nasce completo
e, ao morrer, morre germe,
       o desejo, analfabeto,
de saber como reger-me,
       ah, saber como me ajeito
para que eu seja quem fui,
       eis o que nasce perfeito
e, ao crescer, diminui.

KAI

       Mínimo templo
para um deus pequeno,
       aqui vos guarda,
em vez da dor que peno,
       meu extremo anjo de vanguarda.

       De que máscara
se gaba sua lástima,
       de que vaga
se vangloria sua história,
       saiba quem saiba.

       A mim me basta
a sombra que se deixa,
       o corpo que se afasta.

[do livro Distraídos Venceremos]

Paulo Leminski

Está Vida é uma viagem

     esta vida é uma viagem
pena eu estar
     só de passagem

O Nada

Cidadão Instigado

Composição: Fernando Catatau
 
abram as portas das suas casa
deixem os ladrões entrarem
eles vão levar tudo que puderem
e você vai ficar cansado
e também muito triste
e vai caminhar por aí
pensando em seus próprios passos
flutuantes
com aquela vontade de sumir
progressivamente
e você se vai...vai
e você se vai...vai
desaparecendo aos poucos
e depois voltando à realidade
e o nada
daí,quando você tiver a certeza de que não possui mais nada
e que até a sua própria dor não lhe pertence mais
talvez
em algum momento
você se livre desses pensamentos
e se sinta
começando
renascendo
solitário
tendo em vista
um novo momento
então...
abram as portas das suas casas
deixem os ladrões entrarem
eles vão levar tudo que puderem...

Certas Coisas - Bukowski

certas coisas que nós suportamos
não nos dizem respeito,
e nós lidamos com elas
devido ao tédio ou ao medo ou ao dinheiro
ou à pouca inteligência;
a nossa vontade e a nossa esperança
cada vez mais pequenas,
tão pequenas que nem as suportamos,
nós agarramo-nos ao Ideal
mas perdemos o Rumo:
muita parra e pouca uva,
e vemos nomes que antes significavam sabedoria,
como sinais em cidades fantasma,
onde só as campas são reais.

sábado, 7 de novembro de 2009

Citações William Burroughs

"Depois de uma olhada neste planeta, qualquer visitante do espaço exterior diria''Eu quero ver o gerente.''"

"Como todas as criaturas puras, os gatos são práticos".
 
"Seu conhecimento do que está acontecendo só pode ser superficial e relativa."
 
"Em profunda tristeza, não há lugar para sentimentalismos."
 
"A virtude é simplesmente a felicidade e a felicidade é um subproduto da função. Você é feliz quando está funcionando ". 

olá, como está? - Charles Bukowski

olá, como está?


este medo de ser o que eles são:
mortos.

ao menos não andam na rua, eles
têm o cuidado de ficar em casa, esses
seres pálidos que se sentam em frente à televisão,
as suas vidas cheias de risos enlatados, mutilados.

o seu bairro perfeito
de carros estacionados
de pequenos jardins
de pequenas casas
de pequenas portas que abrem e fecham
enquanto os familiares os visitam
durante as férias
as portas que se fecham
atrás dos mortos que morrem devagar
atrás dos mortos que ainda vivem
no teu normal e pacato bairro
de ruas largas
de agonia
de confusão
de horror
de medo
de ignorância.

um cão atrás de uma cerca.

um homem em silêncio numa janela.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Dez Chamamentos Ao Amigo

de Hilda Hilst


Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
(I)
[Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]

sábado, 31 de outubro de 2009

apostamos tudo

apostamos tudo

às vezes tu levantas-te de manhã da cama e pensas,
não vou fazê-lo, mas ris por dentro
lembrando todas as vezes que te sentiste assim, e
caminhas para a casa de banho, lavas-te, vês essa cara
ao espelho, ai ai ai, mas penteias-te na mesma,
vestes a roupa de sair à rua, dás de comer aos gatos, apanhas
o jornal dos horrores, coloca-lo em cima da mesa da cozinha, beijas
a tua mulher, e recuas o carro para a vida,
como milhões de outros que entram na arena mais uma vez.

agora estás na auto-estrada passando por entre o trânsito,
caminhas ao encontro de algo e de rigorosamente nada enquanto
ligas o rádio e apanhas Mozart, o que é algo, e de alguma maneira
consegues atravessar os dias lentos e os dias cheios de trabalho e os dias
aborrecidos e os dias horríveis e os dias raros, todos ao mesmo tempo bons
e ao mesmo tempo maus porque
somos ao mesmo tempo diferentes e iguais.

encontras a saída, conduzes pela zona mais perigosa
da cidade, sentindo-te momentaneamente bem enquanto Mozart
atravessa o teu cérebro e percorre os teus ossos e
sai pelos teus sapatos.

tem valido a pena lutar esta luta desigual
enquanto todos conduzimos
e apostamos num próximo dia.

Um poema de amor - Charles Bukowski

todas as mulheres
todos os beijos delas as
formas variadas como amam e
falam e carecem.
suas orelhas elas todas têm
orelhas e
gargantas e vestidos
e sapatos e
automóveis e ex-
maridos.
principalmente
as mulheres são muito
quentes elas me lembram a
torrada amanteigada com a manteiga
derretida
nela.
há uma aparência
no olho: elas foram
tomadas, foram
enganadas. não sei mesmo o que
fazer por
elas.
sou
um bom cozinheiro, um bom
ouvinte
mas nunca aprendi a
dançar — eu estava ocupado
com coisas maiores.
mas gostei das camas variadas
lá delas
fumar um cigarro
olhando pro teto. não fui nocivo nem
desonesto. só um
aprendiz.
sei que todas têm pés e cruzam
descalças pelo assoalho
enquanto observo suas tímidas bundas na
penumbra. sei que gostam de mim algumas até
me amam
mas eu amo só umas
poucas.
algumas me dão laranjas e pílulas de
vitaminas;
outras falam mansamente da
infância e pais e
paisagens; algumas são quase
malucas mas nenhuma delas é
desprovida de sentido; algumas amam
bem, outras nem
tanto; as melhores no sexo nem sempre
são as melhores em
outras coisas; todas têm limites como eu tenho
limites e nos aprendemos
rapidamente.
todas as mulheres todas as
mulheres todos os
quartos de dormir
os tapetes as
fotos as
cortinas, tudo mais ou menos
como uma igreja só
raramente se ouve
uma risada.
essas orelhas esses
braços esses
cotovelos esses olhos
olhando, o afeto e a
carência me
sustentaram, me
sustentaram.

Tradução Jorge Wanderley

Poesia - Charles Bukowski

é
nescessário
muito
desespero
insatisfação
e
desilusão
para
escrever
uns
quantos
bons
poemas.
não é
para
toda a gente
escrevê-los
ou até mesmo
lê-los

Os Estranhos - Charles Bukowski

Podem acreditar
nas há pessoas
que vivem a vida
com poucas
preocupações ou
problemas
elas vestem bem, comem
bem, dormem bem.
estão satisfeitos com
a sua vida
familiar.
têm momentos de
tristeza
mas tirando isso
são impertubáveis
e algumas vezes sentem-se
mesmo bem.
e quando eles morrem é uma morte
calma, muitas vezes
enquanto dormem.
podem não acreditar
nisso
mas essas pessoas
existem.
mas eu não sou uma
delas.
oh não, não sou
uma delas,
não estou nem perto
de ser
uma delas
mas elas estão ali
e eu estou
aqui.

versão manuel a. domingos

sábado, 24 de outubro de 2009

Leve ser me leve - Fred Di Giacomo

Leve ser me leve fred Di Giacomo

Já andei muito de luto e preto
Das dores fiz um soneto

Da morte já fui conhecido e parceiro
Achei que ia morrer só e solteiro

A culpa deixava minhas costas pesadas
Fantasmas apareciam com caras assustadas

Eu sempre precisava ser o melhor
O caminho da dor eu sabia de cor

Agora não quero carregar cruz
Eliminar da ferida o pus

Poder caminhar sem dever nada ao mundo.
Acabar com a angústia lá no fundo

Ter a alegria das coisas simples da vida
Deixar que a destruição seja minha sina

Ser leve
Ser leve
Ser leve Ser
leve Ser leve
Ser leve Ser leve Ser leve

Ser leve como a neve

Uma oração de William Burroughs

dia de ação de graças, 28 de novembro de 1986

agradeço pelo peru selvagem e os pombos passageiros, destinados a virar merda nas saudáveis tripas americanas.
agradeço por um continente a espoliar e envenenar.
agradeço pelos índios por garantirem uma módica dose de desafio e perigo.
agradeço pelas vastas manadas de bisões para matar e depelar e depois deixar as suas carcaças à putrefação.
agradeço pelos troféus de caça de lobos e coiotes.
agradeço pelo sonho americano, por inventar lorotas até que elas brilhem à luz do dia.
agradeço pela klu klux klan. aos policiais que matam negros e os contabilizam. às decentes beatas de igreja com suas mesquinhas, interesseiras, feias e perversas caras.
agradeço pelos adesivos de “mate uma bicha em nome de jesus cristo.
agradeço pela aids de laboratório.
agradeço pela proibição e pela guerra contra as drogas.
agradeço por um país onde a ninguém é permitido cuidar da seus próprios problemas.
agradeço por uma nação de dedos-duros.
agradeço, sim, todas as lembranças – ok, deixa eu ver o que você tem nas mãos!
você foi sempre uma dor de cabeça e uma encheção de saco.
agradeço pela última e maior traição do último e maior sonho dos sonhos humanos.
(tradução de leo gonçalves)

Geração Beat



Geração Beat




Estar em movimento. Eis o principal objetivo da Geração Beat, grupo de jovens intelectuais americanos que, em meados dos anos 50, cansados da monotonia da vida ordenada e da idolatria à vida suburbana na América do pós-guerra, resolveram, regados a jazz, drogas, sexo livre e pé-na-estrada, fazer sua própria revolução cultural através da literatura.
O termo Beat, usado para classificar a nova geração, é de origem controversa. Jack Kerouac – principal escritor do movimento – queria que o termo fosse uma abreviação de beatitude (mesmo significado em português), enquanto outros, principalmente os críticos e estudiosos, atribuíram tal denominação à influência direta do jazz, principal fonte de gírias e novos termos da contracultura da época. Do soma do radical beat com o sufixo do satélite russo Sputnik, que havia sido mandado ao espaço em 1957, surge a palavra beatnik, usada para designar dali em diante todos os seguidores do movimento. 1957 foi também o ano da publicação de On the Road.
On the Road, de Kerouac, foi o marco milhar deste movimento que, como nenhum outro na história, recebeu imediata e completa cobertura dos meios de comunicação de massa, elevando à celebridade escritores até então obscuros, oriundos dos dormitórios das faculdades de Nova Iorque, São Francisco e Califórnia, jovens que lutavam para publicar seus primeiros trabalhos. Esta amplificação imediata e de costa-a-costa exauriu completamente o conteúdo e a voz do movimento por um processo que se tornaria muito comum nas décadas seguintes do século XX, a saturação da mídia (basta lembrar da declaração de Andy Warhol sobre os 15 minutos de fama), restando nos dias de hoje do grande ‘boom” de três anos e dezenas de livros, poucas obras de qualidade artística inquestionável. Apesar desta saturação, a mensagem dos beatniks – a revolução na linguagem e nos costumes – só repercutiria decisivamente sobre o comportamento dos jovens americanos uma década mais tarde com o aparecimento das primeiras comunidades hippies no final dos anos 60.

A geração Beat foi composta basicamente por homens, que podiam ou não manter relações sexuais entre si, fato, porém, de secundária importância, uma vez que o principal objetivo desses escritores era estar em conjunto, desfrutar de parceria nas viagens, tanto físicas quanto psicotrópicas. Pode-se dizer que esse prazer de estar entre amigos, essa espécie de prolongamento do sentimento colegial de fazer parte de uma turma, de estar para sempre entre grandes camaradas foi a tônica do discurso literário, o leitmotiv de toda a Geração. Atente para o terrível sentimento de perda desta comunidade nas palavras do poeta Allen Ginsberg na famosa introdução do poema O uivo:

Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa, (...)Esta idéia de desmantelamento inevitável, primeiro dos indivíduos e depois das relações interpessoais, é muito bem expressa nas palavras do crítico americanoEric Homberger:


    “A literatura dos Beats é sobre o laço de amizade entre homens, sobre a afetuosidade entre eles, sobre a tristeza da descoberta de que o amor e a paixão fenecem. Todo o resto – o zelo pela religião oriental, o flerte com o Existencialismo, a fascinação pelos sonhos, o radicalismo político, a paixão pelas drogas, a liberdade sexual – era meramente decoração de uma complexa rede de relacionamentos pessoais”. Os principais expoentes da Geração Beat e suas obras

    Jack Kerouac - Pé na estrada (On the Road, 1957);

    William Burroughs - Junkie (1953) e O Almoço nu (The Naked Lunch, 1959);

    Allen Ginsberg - O uivo (Howl, 1956) e Kaddish (1960);

    Gregory Corso - “Marriege” (1960);

    Gary Snyder - Riprap (1959)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Conversa às Três e Meia da Madrugada

Mais um poema de Bukowski a idéia é juntar o máximo possível. 


Conversa às Três e Meia da Madrugada

Charles Bukowski


às três e meia da madrugada
a porta se abre
e há passos na entrada
que trazem um corpo,
e uma batida
e você repousa a cerveja
e vai ver quem é.

com os diabos, ela diz,
você não dorme nunca?

e ela entra
com o cabelo nos rolinhos
e num robe de seda
estampado de coelho e passarinho

e ela trouxe a sua própria garrafa
à qual você gloriosamente acrescenta
2 copos;
o marido, ela diz, está na Flórida
e a irmã manda dinheiro e vestidos para ela,
e ela tem estado procurando emprego
nos últimos 32 dias.

você diz a ela
que é um cambista de jóquei e
um compositor de jazz e canções românticas,
e depois de uns dois copos
ela não se preocupa com cobrir
as pernas
com a beira do robe
que está sempre caindo.

não são pernas nada feias,
na verdade são pernas ótimas,
e logo você está beijando uma
cabeça cheia de rolinhos,

e os coelhos estão começando a
piscar, e a Flórida é longe, e ela diz
que não somos realmente estranhos
porque ela tem me visto na entrada.

e finalmente
há muito pouca coisa
para dizer.

Arnaldo Jabor

O mundo de hoje é travesti

Está rolando na internet um texto ridículo sobre "mulheres" atribuído a mim.

Sou uma besta, todos o sabem; mas, não chego a esse relincho lamentável do asno que o escreveu. Diz coisas como: "A mulher tem um cheirinho gostoso, elas sempre encontram um lugarzinho em nosso ombro." Uma bosta, atribuída a mim. Toda hora um idiota me copia e joga na rede. Por isso, vou falar um pouco de mulher, eu que mal as entendo na vida. Não falarei das coxas e seios e bumbuns... Falo de uma aura mais fluida que as percorre.

Gosto do olhar de onça, parado, quando queremos seduzi-las, mesmo sinceramente, pois elas sabem que a sinceridade é volúvel, não perdura. Um sorriso de descrédito lhes baila na boca quando lhe fazemos galanteios, mas acreditam assim mesmo, porque elas querem ser amadas, muito mais que desejadas. Elas estão sempre fora da vida social, mesmo quando estão dentro.

Podem ser as maiores executivas, mas seu corpo lateja sob o tailleur e lá dentro os órgãos estranham a estatística e o negócio. Elas querem ser vestidas pelo amor. O amor para elas é um lugar onde se sentem seguras, protegidas.

O termômetro das mulheres é: "Estou sendo amada ou não? Esse bocejo, seu rosto entediado... será que ele me ama ainda?" A mulher não acredita em nosso amor. Quando tem certeza dele, pára de nos amar. A mulher precisa do homem impalpável, impossível. As mulheres têm uma queda pelo canalha. O canalha é mais amado que o bonzinho. Ela sofre com o canalha, mas isso a justifica e engrandece, pois ela tem uma missão amorosa: quer que o homem a entenda, mas isso está fora de nosso alcance. A mulher pensa por metáforas.

O homem por metonímias. Entenderam? Claro que não. Digo melhor, a mulher compõe quadros mentais que se montam em um conjunto simbólico sem fim, como a arte. O homem quer princípio, meio e fim. Não estou falando da mulher sociológica, nem contemporânea, nem política. Falo de um sétimo órgão que todas têm, de um "ponto g" da alma.

Mulher não tem critério; pode amar a vida toda um vagabundo que não merece ou deixar de amar instantaneamente um sujeito devoto. Nada mais terrível que a mulher que cessa de te amar. Você vira um corpo sem órgãos, você vira também uma mulher abandonada.

Toda mulher é "Bovary"... e para serem amadas, instilam medo no coração do homem. Carinhosas, mas com perigo no ar. A carinhosa total entedia os machos... ficam claustrofóbicos. O homem só ama profundamente no ciúme. Só o corno conhece o verdadeiro amor. Mas, curioso, a mulher nunca é corna, mesmo abandonada, humilhada, não é corna. O homem corneado, carente, é feio de ver. A mulher enganada ganha ares de heroína, quase uma santidade. É uma fúria de Deus, é uma vingadora, é até suicida. Mas nunca corna. O homem corno é um palhaço. Ninguém tem pena do corno. O ridículo do corno é que ele achava que a possuía. A mulher sabe que não tem nada, ela sabe que é um processo de manutenção permanente. O homem só vira homem quando é corneado.

A mulher não vira nada nunca. Nem nunca é corneada... pois está sempre se sentindo assim. Como no homossexualismo: a lésbica não é viado.

A mulher é poesia. O homem é prosa. Isso não quer dizer que a mulher seja do bem e o homem do mal. Não. Muita vez, seus abismos são venenosos, seu mistério nos mata. A mulher quer ser possuída, mas não só no sexo, tipo "me come todinha". Falam isso no motel, para nos animar. O homem é pornográfico; a mulher é amorosa. A pornografia é só para homens. A mulher quer ser possuída em sua abstração, em sua geografia mutante, a mulher quer ser descoberta pelo homem para ela se conhecer. Ela é uma paisagem que quer ser decifrada pelas mãos e bocas dos exploradores. Ela não sabe quem é. Mas elas também não querem ser opacas, obscuras. Querem descobrir a beleza que cabe a nós revelar-lhes. As mulheres não sabem o que querem; o homem acha que sabe.

O masculino é certo; o feminino é insolúvel. O homem é espiritual e a mulher é corporal. A mulher é metafísica; homem é engenharia. A mulher deseja o impossível; desejar o impossível é sua grande beleza. Ela vive buscando atingir a plenitude e essa luta contra o vazio justifica sua missão de entrega. Mesmo que essa "plenitude" seja um "living" bem decorado ou o perfeito funcionamento do lar. O amor exige coragem. E o homem... é mais covarde. O homem, quando conquista, acha que não tem mais de se esforçar e aí , dança...

A mulher é muito mais exilada das certezas da vida que o homem. Ela é mais profunda que nós. Ela vive mais desamparada e, no entanto, mais segura. A vida e a morte saem de seu ventre. Ela faz parte do grande mistério que nós vemos de fora, com o pauzinho inerme. Ela tem algo de essencial, tem algo a ver com as galáxias. Nós somos um apêndice.

Hoje em dia, as mulheres foram expulsas de seus ninhos de procriação, de sua sexualidade passiva, expectante e jogadas na obrigação do sexo ativo e masculino. A supergostosa é homem. É um travesti ao contrário. Alguns dizem que os homens erigiram seus poderes e instituições apenas para contrariar os poderes originais bem superiores da mulher.

As mulheres sofrem mais com o mal do mundo. Carregam o fardo da dor histórica e social, por serem mais sensíveis e mais fracas. Os homens, por serem fálicos, escamoteiam a depressão e a consciência da morte com obsessões bélicas, financeiras ou políticas. As mulheres agüentam firmes a dor incompreendida. O mundo está tão indeterminado que está ficando feminino, como uma mulher perdida: nunca está onde pensa estar. O mundo determinista se fracionou globalmente, como a mulher. Mas não é o mundo delicado, romântico e fértil da mulher; é um mundo feminino comandado por homens boçais. Talvez seja melhor dizer um mundo travesti. O mundo hoje é travesti.

domingo, 18 de outubro de 2009

Genialidade da Multidão Bukowski

A Genialidade da Multidão

Há bastante deslealdade, ódio,
violência,
Absurdo no ser humano comum
Para suprir qualquer exército em qualquer dia.
E O Melhor No Assassinato São Aqueles
Que Pregam Contra Ele.
E O Melhor No Ódio São Aqueles
Que Pregam AMOR
E O MELHOR NA GUERRA
--FINALMENTE--SÃO AQUELES QUE
PREGAM
PAZ

Aqueles Que Pregam DEUS
PRECISAM de Deus
Aqueles Que Pregam PAZ
Não têm paz.
AQUELES QUE PREGAM AMOR
NÃO TÊM AMOR
CUIDADO COM OS PREGADORES
Cuidados com os Sabedores.

Cuidado
Com Aqueles Que
Estão SEMPRE
LENDO
LIVROS

Cuidado Com Aqueles Que Detestam
Pobreza Ou Que São Orgulhosos Dela

CUIDADO Com Aqueles Que Elogiam Fácil
Porque Eles Precisam De ELOGIOS De Volta

CUIDADO Com Aqueles Que Censuram Fácil:
Eles Têm Medo Daquilo Que Não Conhecem

Cuidado Com Aqueles Que Procuram Constantes Multidões; Eles Não São Nada Sozinhos

Cuidado
Com O Homem Comum
Com A Mulher Comum
CUIDADO Com O Amor Deles

O Amor Deles É Comum, Procura O Comum
Mas Há Genialidade Em Seu Ódio
Há Bastante Genialidade Em Seu
Ódio Para Matar Você, Para Matar
Qualquer Um.

Sem Esperar Solidão
Sem Entender Solidão
Eles Tentarão Destruir
Qualquer Coisa
Que Seja Diferente
Deles Mesmos

Incapazes
De Criar Arte
Eles Não Irão
Compreender Arte

Eles Vão Considerar Sua Falha
Como Criadores
Apenas Como Uma Falha
Do Mundo

Incapazes De Amar Completamente
Eles Vão ACREDITAR Que Seu Amor É
Incompleto
E ELES VÃO ODIAR
VOCÊ

E Seu Ódio Será Perfeito
Como Um Diamante Brilhante
Como Uma Faca
Como Uma Montanha
COMO UM TIGRE
COMO Cicuta

Sua Mais Fina
ARTE

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Ofereça a eles aquilo que mais desejam secretamente;

é claro que entrarão em pânico imediatamente.

Citações Kerouac

Eu não tenho nada para oferecer a ninguém, exceto minha própria confusão.

uma palavrinha sobre os fazedores de poemas rápidos e modernos


Charles Bukowski






é muito fácil parecer moderno

enquanto se é o maior idiota jamais nascido;

eu sei; eu joguei fora um material horrível

mas não tão horrível como o que leio nas revistas;

eu tenho uma honestidade interior nascida de putas e hospitais

que não me deixará fingir que sou

uma coisa que não sou-

o que seria um duplo fracasso: o fracasso de uma pessoa

na poesia

e o fracasso de uma pessoa

na vida.

e quando você falha na poesia

você erra a vida,

e quando você falha na vida

você nunca nasceu

não importa o nome que sua mãe lhe deu.

as arquibancadas estão cheias de mortos

aclamando um vencedor

esperando um número que os carregue de volta

para a vida,

mas não é tão fácil assim-

tal como no poema

se você está morto

você podia também ser enterrado

e jogar fora a máquina de escrever

e parar de se enganar com

poemas cavalos mulheres a vida:

você está entulhando a saída- portanto saia logo

e desista das

poucas preciosas

páginas.

A tristeza me recobre

Charles Bukowski


"A tristeza me recobre

E mando a cerveja goela abaixo

Peço uma bebida forte

Rápido

Para adquirir a garra e o amor de

Continuar!"


A noite será devagar




Charles Bukowski



bem, aqui estou eu
de novo
ouvindo as boas e velhas
músicas
de novo,
sentindo tristeza,
a boa
tristeza
à moda antiga
em que as lágrimas
não chegam
a sair.
bom.
ouço mais um pouco.
a mente pode
consumir quantidades
mágicas de
memória
enquanto a noite se
desdobra
noite adentro,
enquanto outro charuto
é acesso,
como se pode ficar
terrivelmente amuado
quando velhas
músicas seguem-se
uma às
outras,
rostos são
lembradas,
rostos jovens,
como fatias novas de uma
maçã,
estão mortos
agora,
quase todos
eles
mortos
agora.
a aparente
beleza e
a aparente bravura,
se foram.
sentado aqui
permitindo que meus
melhores sentidos
sejam diluídos pela
melancolia,
um homem
velho,
lembrando
de novo,
olhando de cima
a baixo o bar imaginário
cheio de assentos
vazios,
pensando naquela
criança com os loucos
olhos
vermelhos
que sentava lá
enchendo o copo e
enchendo e enchendo e
enchendo
de novo
ao ponto da
imbecilidade,
agora lembrando,
ouvindo
de novo,
permitindo a idiotice
entrar
de novo,
somos todos
idiotas para sempre
idiotizados
para sempre.
alegremente.
agora.

Citações Carl Sandburg

"Dinheiro é poder, liberdade, um suporte, a raiz de todo o mal, a soma de todas as bênçãos."

Citações Buk

"Esse é o problema de ser escritor, o problema principal - ócio, ócio demais. A gente tem de esperar que a coisa cresça até poder escrever, e enquanto espera fica doido, e enquanto fica doido bebe, e quanto mais bêbado mais doido fica. Não há nada de glorioso na vida de um escritor nem na vida de um bebedor."

Citações Kerouac

"Sou um estranho e solitário católico louco e místico".

domingo, 11 de outubro de 2009

Poemas de Gregory Corso

Alô

Gregory Corso

É desastroso ser um cervo ferido.
Eu estou muito ferido, os lobos rondam
e tenho meus fracassos também.
Minha carne ficou presa no Gancho Inevitável!
Quando criança vi todas as coisas nas quais não queria me
transformar.
Serei a pessoa que não desejava ser?
Aquela pessoa que-fala-sozinha?
Aquele de quem os vizinhos caçoam?
Serei eu aquele que, nos degraus do museu, dorme de lado?
Estarei usando aroupa do cara que falhou?
Sou um sujeito lunático?
Na grande serenata das coisas,
serei a passagem mais cancelada?
NAS MÃOS ESTÁ MINHA CIDADE

Nas mãos está minha cidade, minha lira
E em minhas mãos está a pira
E minha mãe ouve Corelli
enquanto minhas mãos estão em chamas

O NOVA-IORQUINO

Ele está em Cambridge
E agora bate em minha porta
Ele é o cara de Nova York;
tem olhos enormes de neon
seu olhar despeja
jazz pelo meu chão
Mas ele estava mesmo lá?
Podia ser um rádio,
ou um órgão de fundo
ali alucinado.
Podia ser eu mesmo
me visitando em pleno jazz,
com receio de bater.

CAVALO COM LEITE

Num quarto a colher sobre o fogo
A cozinhar o desejo secreto.
Tudo cozido, ele apanhou um cinto
e correu antes do cavalo derreter.
O cinto foi preso em volta do braço;
a agulha bem limpa para não haver danos
e apertando, apertando, uma veia surgiu.
Com uma puxada o braço começou a doer.
Com mão firme ele esperou inchar -
esperou o sonho que a si orfertava.
E então a agulha avançou plenamente
Mas o cavalo tinha leite, e não deu barato.
Ele foi ao chão sem fazer ruído,
e girou os olhos como um carrossel.
Então se esfregou e sacudiu e puxou os cabelos,
vomitou ar, nada mais do que ar.
No fundo da noite ele rolava e rugia.
Ó alma, você nunca esteve tão chapada neste mundo.
fonte: Gasolina & Lady Vestal, L&PM, 1985
Achei Aqui: Reduto Literario


Buk e o Amor

O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.
Charles Bukowski

Marcelo ou eu traí o rock

E agora com vocês a banda Pullovers nada a ver com buk e outros heróis, mas tente entender vai.


Marcelo ou eu traí o rock

(Luiz Venâncio)

Sem mais idade pra se esconder
mas sem vontade, dinheiro, você
ou planos até os meus cem anos
como havia de ser, com vergonha a perder
de vista, como todo paulista
capaz de entender

o quão profundo te faz parecer
um microfone, um rostinho blasé
um grito, um boné bem bonito
um tipo pra fazer, um troço pra bebre
um vício, pular de um precipício,
falar que quer morrer…

Às seis da tarde parar de correr,
ser de verdade, a vida pra viver…
Que chato, não me vendo barato
só pra não ser clichê até mesmo porque
desisto de ver e ser visto
disso e de querer

ir lá no fundo do pico dizer
“não acredito em gente que crê
no rock”. Então não me provoque
isso é com você e com todos os teus
amigos. Esquece o que eu digo
mas deixa dizer.

Há um pássaro azul no meu coração - Poema Bukowski

há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?
Charles Bukowski

Mais um poema de BUK - Oh Sim

Charles Bukowski
(Tradução de Tiago Nené)





OH SIM



há coisas piores do que
estar só
mas costuma levar décadas
até que o percebamos
e frequentemente
quando o conseguimos
é demasiado tarde
e nada pior
do que
ser demasiado tarde.