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sábado, 19 de julho de 2014

texana - Charles Bukowski

ela é do Texas e pesa
47 quilos
e para em frente ao
espelho penteando oceanos
de cabelos ruivos
que descem ao longo de todas
suas costas até a bunda.
o cabelo é magico e lança
faíscas quando eu me deito na cama
e a vejo penteá-los
ela parece uma criatura
saída de um filme mas está
aqui de fato, fazemos amor
pelo menos uma vez por dia e
ela consegue me fazer rir
sempre que deseja.
as mulheres do Texas são sempre
saudáveis, e além disso ela
limpa meu refrigerador, minha pia
o banheiro, e faz comida e
me serve alimentos saudáveis
e lava pratos também.


 "Hank", ela me disse,
segurando uma lata de suco de
uva, "este é o melhor de todos".
 dizia na lata: suco natural de uva
ROSA do Texas.

ela se parece com a Katherine Hepburn
na época
do ensino médio, e vejo esses
47 quilos
penteando um metro
 de cabelo ruivo
diante do espelho
e a sinto dentro de meus olhos,
e os dedos e as pernas e barriga
a sentem, assim como
 aquela outra parte,
e toda Los Angeles se desfaz
e chora de contentamento,
as paredes das alcovas tremem -
 o oceano invade tudo e ela se vira
e me diz, "maldito cabelo!"
e eu digo
"sim".

 Poema do Livro - O amor é uma cão dos diabos

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

olá, como você está?

esse medo de ser o que eles são:
mortos.

pelo menos eles não estão na rua, eles
têm o cuidado de ficar dentro de casa, aqueles
malucos que se sentam sozinhos na frente de suas tvs,
suas vidas cheias de enlatados, riso mutilado.

seu bairro ideal
de carros estacionados
de pequenos gramados
de pequenas casas
as pequenas portas que abrem e fecham
quando seus parentes os visitam
durante as férias
as portas se fechando
atrás do moribundo que morre tão devagar
atrás do morto que ainda está vivo
em seu tranquilo bairro de classe média
de ruas sinuosas
de agonia
de confusão
de horror
de medo
de ignorância.

um cão parado atrás de uma cerca.

um homem silencioso na janela.

Bukowski

Esse é um dos meus favoritos...

Link para o original Bukowski Poemas

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Nenhum caminho para o paraíso - Charles Bukowski

Eu estava sentado em um bar na avenida Western. Era perto da meia-noite e estava metido em uma das minhas habituais confusões. Quero dizer, você sabe, nada dá certo: as mulheres, os trabalhos, a falta de trabalhos, o tempo, os cães. Por fim, você simplesmente senta em uma espécie de estado de transe e espera como se estivesse no banco da parada de ônibus aguardando a morte.
Bem, estava sentado lá e então chega essa mulher com cabelo preto e longo, bom corpo, olhos castanhos e tristes. Não me virei para olhá-la. Ignorei-a, mesmo ela tendo sentado no banco ao lado do meu, quando havia uma duzia de outros lugares vagos. Na verdade, éramos os únicos no bar, exceto pelo balconista. Ela pediu um vinho seco. Depois me perguntou o que eu estava bebendo.
-  Scotch com água.
- Dê-lhe um scotch com água - ela disse ao balconista.
Bem, isso era incomum.
Abriu a bolsa, removeu uma pequena gaiola de arame e tirou algumas pessoas pequenas e as colocou no balcão. Tinham todos aproximadamente dez centimetros de altura e estavam vivos e bem vestidos. Havia quatro deles, dois homens e duas mulheres.
- Fazem desses agora - ela disse. - São muito caros. Custaram quase dois mil dolores cada um quando comprei. Agora estão chegando aos 2.400 dólares. Não sei como são feitos, mas provavelmente é coisa fora da lei.
As pessoas em miniatura estavam caminhando por cima do balcão. Repentinamente um dos pequenos homens deu um tapa na cara de uma das mulheres.
- Sua vagabunda - ele disse - , já chega!!
- Não George, você não pode - ela gritou -, eu te amo! Vou me matar! Tenho que ter você!
- Não me importo! - disse o pequeno sujeito e puxou um cigarrinho e o acendeu. - Tenho direito de viver.
- Se você não a quer - disse outro sujeitinho -, fico com ela, eu a amo.
- Mas eu não quero você, Marty. Estou apaixonada pelo George.
- Mas ele é um idiota, Anna, um idiota completo!
- Eu sei, mas o amo de qualquer forma.
O idiotinha caminhou pelo balcão e beijou a outra mulherzinha.

sábado, 26 de novembro de 2011

Um .45 para pagar o aluguel - Bukowski

Duke tinha essa filha, que se chamava Lala, de 4 anos. Era a primogênita, logo dele, sempre tão precavido pra evitar filhos, com medo de ser morto por um deles. Mas agora vivia louco de alegria, encantado com a menina, que adivinhava tudo o que ele pensava – tal a comunicação que havia entre ela e ele, entre ele e ela.
Duke estava no supermercado com Lala, e os dois conversavam, dizendo uma coisa e outra. Falavam a respeito de tudo e ela lhe contava tudo o que sabia, e sabia muito, instintivamente, ao passo que Duke, se por um lado pouco sabia, por outro fazia o que podia. No fim dava certo. Sentiam-se
felizes um com o outro.
– O que é aquilo ali? – pergunta ela.
– Um coco.
– O que que tem dentro?
– Um troço branco pra se mastigar.
– Por que que é por dentro?
– Porque todo esse troço branco que a gente mastiga se sente bem ali dentro, no interior da casca. E diz, consigo mesmo, “puxa, que gostoso que tá isto aqui!”.
– Por que que é gostoso?
– Porque sim. Qualquer um acharia. Eu, por exemplo.
– Não acharia, não. Não ia poder dirigir o teu carro ali dentro, nem poder me enxergar. Ou comer presunto com ovo.
– Presunto com ovo não é tudo o que existe.
– O que que é tudo que existe, então?
– Sei lá. Pode ser que seja o miolo do sol, puro gelo.
– O MIOLO do SOL...? PURO GELO?
– É.
– Como seria o miolo do sol, se fosse puro gelo?
– Ué, todo mundo pensa que o sol é aquela bola de fogo.
E tenho impressão que nenhum cientista vai concordar comigo, mas eu acho que seria assim, óh.
Duke pega um abacate.
– Oba!
– Tá vendo, um acabate é isto aqui: sol gelado. A gente come o sol e depois sai andando por aí, com uma sensação gostosa.
– O sol tá em toda aquela cerveja que tu bebe?
– Tá, sim.
– Dentro de mim também?
– Mais do que em qualquer pessoa que conheço.
– Pois eu acho que tu tem um SOL DESTE TAMANHO dentro de ti!
– Obrigado, meu bem.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

a escapada - Charles Bukowski

escapar de uma viúva negra
é um milagre tão grande quanto a própria arte.
que rede ela pode tecer
enquanto o arrasta vagarosamente em sua direção
ela irá abraçá-lo
depois, quando estiver satisfeita,
ela o matará
ainda no mesmo abraço
e lhe sugará todo o sangue.


escapei da minha viúva negra
porque ela possuía machos demais
em sua rede
e enquanto ela abraçava um deles
e depois o outro e então ainda
outro
me libertei
retornei
ao lugar onde estava anteriormente.


ela sentirá minha falta -
não de meu amor
mas do gosto do meu sangue,
mas ela é boa, ela encontrará outro
sangue;
ela é tão boa que quase sinto falta de minha morte,
mas não o suficiente;
escapei. eu vejo as outras
teias.

domingo, 30 de outubro de 2011

Guerra de trincheira - Charles Bukowski

abatido pela gripe
bebendo cerveja
o rádio num volume
suficientemente alto para superar
os sons produzidos
pelo estéreo das pessoas que
recém se mudaram
para casa
ao lado.
dormindo ou acordados
eles ajustam seu aparelho
no volume máximo
deixando suas
portas e janelas
abertas.

cada um deles tem
18, casados, vestem
sapatos vermelhos,
são loiros,
magros.
tocam de
tudo: jazz
música clássica, rock,
country, moderna
contanto que esteja
alta.

este é o problema
de ser pobre:
temos de conviver com
o som dos outros.
semana passada foi
minha vez:
havia duas mulheres
aqui
brigando entre si
e elas
correram pela calçada
gritando.
a polícia veio.

agora é a vez
deles.
agora caminho
pra lá e pra cá em
meus calções sujos,
dois tampões de borracha
enfiados bem fundo
em meus ouvidos.

chego a pensar em
assassinato
esses coelhos
pequenos e rudes!
pedacinhos ambulantes
de ranho!

mas na nossa terra
e do nosso jeito
nunca terá havido
uma chance;
somente quando
as coisas não estão
indo tão mal
por um instante
que esquecemos.

algum dia cada um
deles estará morto
algum dia cada um
deles terá um
caixão separado
e então haverá
silêncio.

mas por ora
é Bob Dylan
Bob Dylan Bob
Dylan por aí
afora.


domingo, 16 de outubro de 2011

Seguros - Charles Bukowski



a casa dos vizinhos me deixa
triste.
ambos marido e mulher acordam cedo e
vão ao trabalho.
chegam em casa no início da noite.
têm um pequeno menino e uma menina.
pelas 21h todas as luzes na casa
se apagam.
na manhã seguinte ambos marido e
mulher acordam cedo de novo e vão ao
trabalho.
retornam no início da noite.
pelas 21h todas as luzes se
apagam.

a casa dos vizinhos me deixa
triste.
as pessoas são boas pessoas, eu
gosto deles.

mas sinto que estão se afogando.
e não posso salvá-los.

eles sobrevivem.
eles não são
sem-teto.

mas o preço é
terrível.

às vezes durante o dia
eu olho para a casa
e a casa olha para
mim
e a casa
chora, sim, é verdade, eu
sinto isso.

a casa está triste pelas pessoas que ali
moram
e eu também
e olhamos um ao outro
e carros passam pra lá e pra cá
na rua,
barcos atravessam o porto
e as altas palmeiras cutucam
o céu
e esta noite às 21h
as luzes se apagarão,
e não somente naquela
casa
e não somente nesta
cidade.
vidas seguras se escondem,
quase
paradas,
a respiração dos
corpos e pouco
mais.


Encontrei aqui: Assim falou Zaratrusta

sábado, 15 de outubro de 2011

uma mudança de hábito - Charles Bukowski

Shirley chegou a cidade com uma perna quebrada
e conheceu o chicano que fumava
longos charutos slim
e eles foram morar juntos
na Beacon Street
5º andar;
a perna não atrapalhava
muito e
eles assistiam televisão juntos
e Shirley cozinhava, de
muletas e tudo;
havia um gato, Bogey,
e eles tinham alguns amigos
e falavam sobre esportes e Richard Nixon
e de como era dificil tocar
as coisas.
funcionou por alguns meses,
Shiley se livrou até do gesso,
 e o chicano, Manuel,
conseguiu um emprego em Baltimore,
Shirley costurava todos os botões caídos
das camisas de Manuel, remendava e emparelhava as meias
dele, então
um dia Manuel retornou para casa, e
ela havia sumido -
sem discussão, sem bilhete, apenas
sumira levando todas as roupas
e pertences, e
Manuel sentou-se junto a janela e olhou para rua
e não foi ao trabalho
na manhã seguinte nem
na outra,
sequer ligou para avisar,
perdeu o emprego,
recebeu uma multa por estacionamento proibido, fumou
quatrocentos e sessenta cigarros, foi
preso por embriaguez, saiu por
fiança, foi
a julgamento e se confessou
culpado.

quando o aluguel venceu ele
se mudou de Beacon Street,
deixou o gato e foi viver com
seu irmão e
os dois enchiam a cara
todas as noites
e falavam sobre o quão
terrível
era a vida.

Manuel jamais voltou a fumar
aqueles longos charutos slim
porque Shirley sempre dizia
como
ele ficava bonito
com eles na boca.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Faísca - Charles Bukowski

a fábrica longe da Av. Santa Fé era
melhor.
empacotávamos suporte de luminárias
pesados em caixas longas
e depois jogávamos as caixas em pilhas
de seis.
aí os carregadores
vinham
esvaziar sua mesa e
você começava as seis seguintes.

jornada de dez horas
quatro no sábado
pagamento pelo sindicato
bom demais para trabalho não especializado
e se você não chegava lá
com músculos
logo, logo ia arranjá-los

a maioria de nós em
camisetas brancas e jeans
cigarro no bico
cerveja furtiva
a gerência olhando
pro outro lado

poucos brancos
os brancos não demoravam
trabalhadores preguiçosos
na maioria mexicanos e
pretos
frios e rancorosos
brilhava uma faca
ou alguém
era ferido
a gerência olhando
pro outro lado
 
os raros brancos que ficavam
eram loucos
trabalhava-se
e as jovens mexicanas
nos mantinham
acesos e esperançosos
seus olhos piscando
mensagens
de lá da
linha de montagem.

eu era um dos
brancos loucos
que duraram
eu era um bom trabalhador
só pelo ritmo da coisa
pelo diabo da coisa
e depois de dez horas
de trabalho duro
depois de trocar insultos
vivendo entre atritos
com os que não suficientemente calmos
para se conformar
saíamos
ainda dispostos
subíamos em nosso velhos
carros para
voltar para casa
beber metade da noite
brigar com nossa mulheres

para recomeçar no dia seguinte
a embalar os suportes
sabendo que éramos
uns babacas
fazendo os ricos mais ricos

enfiávamos
nossa camiseta branca
e o jeans
e deslizámos
entre jovens mexicanas

éramos simples e prefeitos
para o que fazíamos
ressaca
podíamos
fazer bem pra burro
nosso trabalho
mas isso
não nos tocou
nunca

entre aquelas paredes despelando

o barulho das brocas
e serras

as faíscas

éramos uma turma boa
naquele balé brutal

éramos maravilhosos

dávamos a eles
muito mais do que pediam

e ainda assim
a eles não dávamos
nada.

Fonte: Os 25 Melhores Poemas de Charles Bukowski, tradução Jorge Wanderley

domingo, 11 de setembro de 2011

Alma - Charles Bukowski

oh! como eles se preocupam com a minha
alma!
recebo cartas
o telefone toca...
"você vai ficar bem?"
perguntam.
"ficarei bem", eu lhes digo.
"ja vi tantos se afundarem na sarjeta",
eles me dizem.
"não se preocupem comigo", digo

ainda assim me deixam nervoso.
entro e tomo uma chuveirada
saio e espremo uma espinha do
nariz.
então vou até a cozinha e preparo 
um sanduíche de salame e presunto
eu costumava viver de doces baratos.
agora tenho mostarda alemã importada
para passar no sanduíche, devo estar em perigo
por causa disso.

o telefone segue tocando e as cartas seguem
chegando.

se você tiver dentro de um armario na companhia de ratos
e come pão velho
eles gostam de você.
você passa a ser um
gênio.

ou se está num manicômio ou
detido na delegacia
eles o chamam de gênio
ou se você está bêbado e não para de gritar
obcenidades
vomitando as tripas no
chão
você é um gênio.

mas experimente pagar o aluguel um mês
adiantado
vestir um novo par de meias
ir ao dentista
fazer amor com uma garota limpa e saudável
em vez de pegar uma puta
e você vendeu sua
alma.

não estou minimadamente interessado em perguntar como
vão suas almas.
suponho que era o que eu deveria
fazer.

sábado, 3 de setembro de 2011

o jeito que isso é - Charles Bukowski


o inferno está lotado ainda
 você sempre pensa que  você está
sozinho.

e você nunca pode dizer
a ninguém que
você está no inferno
ou eles vão pensar
que você está
louco.

mas ser louco é
estar no inferno
e ser sensato
também.

aqueles que escapam do inferno
nunca falam sobre
isso
e nada mais
incomoda eles
depois
disso.
Quero dizer, coisas como
falta de uma refeição,
ir para a cadeia,
bater seu carro
ou
mesmo
morrer.

quando você perguntar-lhes,
"como as coisas estão
indo? "
eles vão responder: "bem,
muito bem ... "

uma vez que você foi para o inferno
e voltou
é o bastante, é a
mais silenciosa celebração
conhecida.

uma vez que você foi para o inferno
e voltou,
você não olha para trás
quando o chão
range.
o sol está no alto a
meia-noite

e coisas como
os olhos de ratos
ou um velho pneu
em um terreno baldio
pode torná-lo
feliz.

uma vez que você foi para o inferno
e voltou.


Link:Bukowski Poemas

o homem ao piano - Charles Bukowski

o homem ao piano
toca uma música
que ele não compôs
canta palavras
que não são suas
em um piano
que não é seu.

enquanto
as pessoas à mesa
comem, bebem e conversam

o homem ao piano
termina
sem aplausos.

então
começa a tocar
uma nova canção
que ele não escreveu
começa a cantar
palavras
que não são suas
em um piano
que não é seu.

e como as pessoas
à mesa
continuam a
comer, beber e conversar

quando
ele termina
sem ser aplaudido
ele anuncia
pelo microfone, que vai
fazer uma pausa
de dez minutos

ele vai
até o banheiro
masculino
entra
em um reservado
tranca a porta
senta
puxa um baseado
e acende

satisfeito
de não estar
ao piano

e as
pessoas às mesas
comendo, bebendo e conversando
satisfeitas
por ele também
não estar lá

assim
acontece
em quase toda parte
com todos e com tudo
enquanto ferozmente
no interior
o
gueto negro incendeia.

sábado, 27 de agosto de 2011

Ilustrações de Robert Crumb

"Velho escritor põe blusão, senta, sorri para a tela do computador e escreve sobre a vida. Seremos tão santos?"


Não sei quanto as outras pessoas, mas quando me abaixo para colocar os sapatos de manhã, penso, Deus Todo-Poderoso, o que mais agora?"




" Escute, não ficaria bem um cara de 71 anos tirar o seu couro na frente de toda essa gente, ficaria?"




Ilustrações de Robert Crumb referentes ao livro" O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio" de Charles Bukowski.

sábado, 20 de agosto de 2011

Na cela do inimigo público número um - Charles Bukowski


Estava escutando Brahms em Filadélfia em 1942. numa vitrola pequena. o segundo movimento da 2a sinfonia. naquela época eu morava sozinho, bebia devagar uma garrafa de vinho do Porto e fumava um charuto ordinário, num quartinho limpo, como se diz, houve uma batida na porta. pensei que fosse alguém pra me entregar o prêmio Nobel ou Pulitzer. eram 2 sujeitos enormes com cara de burros e grossos.
 Bukowski?
 é.
 mostraram o emblema: F.B.I.
 nos acompanhe. melhor vestir o casaco, vai se ausentar por uns tempos.
 não sabia o que tinha feito, nem perguntei. achei que, de qualquer forma, estava tudo perdido. um deles tirou o Brahms da vitrola. descemos a escada e saímos na rua, cabeças apareciam nas janelas como se todo mundo já estivesse sabendo.
depois a eterna voz de mulher: ah, lá vai aquele homem horrível prenderam o cafajeste!
simplesmente não dou sorte com elas.
continuei me esforçando pra lembrar o que podia ter feito, e a única coisa que me ocorria é que talvez, de porre, houvesse matado alguém. mas não conseguia entender o que era que o F.B.I. , tinha a ver com aquilo.
mantenha as mãos nos joelhos e não mexa com elas!
havia 2 homens no banco da frente e 2 no de trás, de modo que imaginei que devia ter assassinado alguém — decerto algum figurão.
continuamos rodando, de repente esqueci e levantei a nulo pra coçar o nariz.
OH IA ESSA MÃO AI!!
 quando chegamos na delegacia, um dos agentes apon-tou para uma fileira de fotos nas 4 paredes.
tá vendo estes retratos?, perguntou com dureza.
 olhei um por um. estavam bem emoldurados, mas nenhuma das caras me dizia nada.               tô vendo, sim — respondi.
são homens que foram assassinados quando trabalhavam pro F.B.I.
 não sei o que ele queria que eu dissesse, por isso continuei calado.
 me levaram pra outra sala.
 tinha um homem atrás da escrivaninha.
 CADÊ O TEU TIO JOHN? — gritou na minha cara.
como? — retruquei.
CADÊ O TEU TIO JOHN?
 eu não sabia a quem ele estava se referindo, por um instante cheguei a pensar que quisesse dizer que eu andava por aí carregando alguma arma secreta pra matar gente quando ficava bêbado. me senti todo atrapalhado, não entendendo mais nada.
me refiro a JOHN BUKOWSKI!
ah. ele morreu.
 merda, POR ISSO é que a gente não conseguia descobrir onde ele estava!
 me levaram lá pra baixo, pra uma cela cor de laranja. era sábado de tarde. pelas grades da janela dava pra ver as pessoas caminhando na calçada. que sorte que tinham! do outro lado da rua havia uma loja de discos. o alto-falante tocava música pra mim, tudo parecia tão calmo e tranqüilo lá fora. ficava ali parado, de pé, tentando lembrar o que poderia ter feito. sentia vontade de chorar, mas não saia lágrima alguma. era só uma espécie de tristeza, de náusea, uma mistura de uma com a outra, não existe nada pior. acho que você sabe o que quero dizer, todo mundo, volta e meia, passa por isso, só que comigo é muito freqüente, acontece demais.
a Prisão de Moyamensing me lembrava um castelo antigo. 2 vastos portões de madeira se abriram pra me acolher. até hoje me admiro que não tivéssemos que passar por cima de um fosso.
 me puseram na cela de um sujeito gordo com cara de perito contador.
sou Courtney Taylor, inimigo público n2 1 disse ele pra mim.
por que você foi preso? — perguntou.
 (a essa altura eu já sabia; tinha perguntado no caminho.)
fui convocado e não me apresentei.
tem 2 coisas que aqui ninguém topa: recruta que não se apresenta
 e exibicionista tarado.
 código de honra de ladrões, hem? manter o país forte pra continuar com a roubalheira.
mesmo assim, ninguém gosta de convocados omissos.
sou de fato inocente, me mudei e esqueci de deixar o novo endereço na junta de recrutamento. comuniquei aos correios. recebi carta de St. Louis quando já estava aqui, dizendo que tinha que comparecer ao exame médico, respondi que não dava para ir até lá e pedi pra fazer o exame aqui mesmo. botaram os caras atrás de mim e agora tô em cana, não entendo: então, se eu quisesse escapar do recrutamento, ia dar o endereço pra eles?
 todos vocês sempre se fazem de sonsos. pra mim isso é conversa mole pra boi dormir.
 me estirei no beliche. passou um carcereiro.
LEVANTA ESSE RABO DE MORTO DAÍ! — berrou comigo.
levantei meu rabo de morto de convocado omisso.
você quer se matar? — perguntou Taylor.
 quero — respondi.
então puxa esse cano ai em cima que prende a lâmpada da cela, enche aquele balde com água e coloca o pé dentro. desatarraxa, tira a lâmpada fora e enfia o dedo no encaixe. ai você sai daqui.
fiquei olhando um bocado de tempo pra lâmpada. obrigado, Taylor, você é um verdadeiro amigão.

as luzes apagaram, me deitei e eles começaram. piolhos.
 porra, o que é isto? — berrei.
 piolhos — respondeu Taylor. — aqui tem muito.
 aposto que tenho mais que você — retruquei.
 tá apostado.
 dez cents?
 dez cents.
 comecei a catar e a matar os meus. fui colocando em cima da mesinha de madeira.
 por fim demos um basta. Levamos os piolhos pra grade da cela, onde havia luz, e contamos. eu tinha 13 e ele 18. entreguei-lhe a moedinha. só muito mais tarde descobri que ele partia os dele ao meio e depois esticava. era estelionatário. profissional. filho-da-puta.
 fiquei cobra com os dados no pátio de exercício. ganhava todo santo dia e já estava cheio da grana. cheio da grana pra cadeia, bem entendido. fazia 15 ou 20 pratas por dia. o regulamento proibia o jogo de dados e os guardas, lá de cima das torres, apontavam as metralhadoras pra gente e berravam PAREM COM ISSO! mas sempre se dava um jeito de continuar a partida. quem trouxe os dados pra prisão sem ninguém perceber foi um tarado exibicionista. o tipo do tarado que não me agrada. aliás, não gostava de nenhum deles. todos tinham queixo fraco, olhar lacrimoso, bunda magra e jeito viscoso, projetos de homens. acho que não era culpa deles, mas não gostava de olhar pra aquela gente. esse a que me refiro sempre se chegava depois de cada partida.
 você tá afiado, tá ganhando uma nota preta, dá um pouco pra mim.
 eu largava uns trocados naquela mão de cadáver e ele se afastava, feito cobra, o porco sacana, sonhando com o dia em que pudesse mostrar a pica de novo pra garotinhas de 3 anos. eu dava o dinheiro porque era o único meio de me conter e não bater com o cinto nele, mas quem fazia isso ia pra solitária, uni buraco deprimente — não tanto quanto o pão molhado na água  que se ficava obrigado a comer. eu via quando os caras saíam de lá: demoravam um mês pra voltar ao seu estado normal. mas todos nós éramos abortos da natureza. eu não fugia à regra. não fugia mesmo. fui muito duro com ele. só conseguia raciocinar direito quando desviava o olhar.
estava rico. depois que apagavam as luzes, o cozinheiro trazia pratos de comida, comida da boa e à beça, sorvete, bolo, torta, café de primeira. Taylor me avisou pra nunca dar mais de 15 cents pra ele, senão seria exagero. o cozinheiro agradecia em voz baixa e perguntava se devia voltar na noite seguinte.
mas nem tem dúvida — respondia eu.
 era a mesma comida que levavam para o diretor da prisão, que, evidentemente, gostava de passar bem. os presos andavam todos famintos, enquanto que Taylor e eu desfilávamos pra lá e pra cá, parecendo 2 mulheres no nono mês de gravidez.
 gosto desse cozinheiro — comentei —, acho um cara legal.
 e ele é — concordou Taylor.
 não parávamos de reclamar dos piolhos pro carcereiro, e ele berrava conosco:
 ONDE PENSAM QUE ESTÃO? NUM HOTEL? QUEM TROUXE ESSES BICHOS PRA CÁ FORAM VOCÊS MESMOS!
 o que, naturalmente, considerávamos um insulto.
 os carcereiros eram mesquinhos, os carcereiros eram burros e viviam mortos de medo. sentia pena deles.
 finalmente puseram Taylor e eu em celas separadas e fumigaram a que tinha piolhos.
 encontrei Taylor no pátio.
 me botaram junto com um pirralho — disse Taylor, bobo que só vendo —, tá por fora de tudo, um horror.
 fiquei com um velho que não sabia falar inglês e passava o tempo todo sentado no penico, a repetir: TARA BUBA COME, TARA BUBA CAGA! não parava nunca. tinha a vida programada: comer e cagar. acho que se referia a alguma figura mitológica da terra dele. ah, vai ver que era Taras Bulba? sei lá. a primeira vez que saí pra fazer exercício no pátio, o velho rasgou o lençol do meu beliche e fez com ele uma corda; pendurou as meias e as cuecas naquilo e quando entrei ficou tudo pingando em cima de mim. nunca saía da cela, nem pra tomar banho. não havia cometido crime nenhum, diziam, só queria ficar ali dentro e deixavam, um ato de bondade? fiquei brabo com ele porque não gosto de roçar a pele em cobertor de lã. minha pele é muito sensível.
 seu velho sacana — gritava com ele —, já matei um cara e é só você não andar direito que acabo matando dois!
 mas ele ficava simplesmente sentado ali no penico, rindo pra mim e dizendo: TARA BUBA COME, BUBA CAGA!
acabei desistindo, mas, seja lá como for, nunca precisei escovar o chão, aquela porra de casa dele vivia sempre úmida e escovada, devia ser a cela mais limpa da América, do mundo. e adorava aquela refeição extra de noite, se adorava.
 o F.B.I. resolveu que eu estava inocente da acusação de ter fugido deliberadamente da convocação das forças armadas e me mandou para o centro de recrutamento. tinha uma porção de presos que mandavam pra lá. fui aprovado no exame biométrico e depois tive que falar com o psiquiatra.
 você acredita na guerra? — perguntou.
 não.
 está disposto a lutar?
 estou.
 (andava com uma idéia meio biruta de sair de uma trincheira e sair caminhando em direção à linha de fogo até que me matassem.)
 ficou um bocado de tempo sem falar nada, só escrevendo numa folha de papel. depois levantou os olhos.
 a propósito, na próxima quarta-feira à noite vai ter uma festa com médicos, pintores e escritores, queria te convidar. você aceita o convite?
 não.
 tá certo — retrucou —, não precisa ir,
 aonde?
 pra guerra. fiquei só olhando pra ele.
 pensou que a gente não ia entender, não é? entregue esta folha de papel ao funcionário da sala ao lado.


era uma longa caminhada, a folha estava dobrada e presa por um clipe no meu cartão. levantei a ponta e espiei: "... possui uma grande sensibilidade dissimulada pela fisionomia impassível..." boa piada, pensei, puta que pariu! eu: sensível!!
 e lá se foi Moyamensing. e assim ganhei a guerra.


 Retirado do Livro: Fabulário geral do delírio cotidiano - parte II

o estouro - Charles Bukowski


demais
tão pouco

tão gordo
tão magro
ou ninguém

risos ou
lágrimas

odiosos
amantes

estranhos como faces como
cabeças de
tachinhas

exércitos correndo através
de ruas de sangue
brandindo garrafas de vinho
baionetando e fodendo
virgens.

ou um velho num quarto barato
com uma biografia de M. Monroe.

há tamanha solidão no mundo
que você pode vê-la no movimento lento dos
braços de um relógio.

pessoas tão cansadas
mutiladas
tanto pelo amor como pelo desamor.

as pessoas simplesmente não são boas umas com as outras
cara a cara.

os ricos não são bons com os ricos
os pobres não são bons com os pobres.

estamos com medo.

nosso sistema educacional nos diz que
podemos ser todos
grandes vencedores.

eles não nos contaram
a respeito de misérias
ou dos suicídios.

ou do terror de uma pessoa
sofrendo sozinha
num lugar qualquer

intocada
incomunicável

regando plantas.

as pessoas não são boas umas com as outras
as pessoas não são boas umas com as outras
as pessoas não são boas umas com as outras

suponho que nunca serão.
não peço para que sejam.

mas às vezes eu penso sobre
isso.

as contas dos rosários balaçarão
as nuvens nublarão
e o assassino degolará a criança
como se desse uma mordida numa casquinha de sorvete.

demais
tão pouco

tão gordo
tão magro
ou ninguém

mais odiosos que amantes.

as pessoas não são boas umas com as outras.
talvez se elas fossem
nossas mortes não seriam tão tristes.

enquanto isso eu olho para as jovens garotas
talos
flores do acaso.

tem que haver um caminho.

com certeza deve haver um caminho sobre o qual ainda
não pensamos.

quem colocou este cerébro dentro de mim?

ele chora
ele demanda
ele diz que há uma chance.

ele não dirá
"não".

sábado, 13 de agosto de 2011

Sorte - Charles Bukowski



o que está mal a respeito disso
tudo
é ver as pessoas
bebendo café e
esperando. gostaria de
embebê-los todos
na sorte. eles precisam bem
mais do que eu.

sento nos cafés
e os vejo a
esperar. não creio
que haja muito mais
a fazer. as moscas
vão pra lá e pra cá
nos vidros das janelas
e bebemos nosso
café e fingimos
não olhar uns
para os outros.
espero junto com eles,
entre o movimento
das moscas
as pessoas vagueiam.

noite de Natal, sozinho - Charles Bukowski



noite de Natal, sozinho
num quarto de motel
junto á costa
perto do pacífico –
ouviu?

eles tentaram fazer desse lugar algo
espanhol, ha
tapeçarias e lâmpadas e,
o banheiro é limpo, há
minibarras de sabonete
rosa.

não nos encontrarão por
aqui:
as piranhas ou as damas ou
os adoradores
de ídolos.

lá na cidade
eles estão bêbados e em pânico
furando sinais vermelhos
arrebentando suas cabeças
em homenagem ao aniversário de
Cristo. isso é uma beleza

em breve terei  terminado esta garrafa de
rum porto-riquenho.
pela manhã vomitarei e tomarei
banho, voltarei  para
casa, comerei um sanduíche à uma tarde,
estarei no meu quarto por volta das
duas;
estirado na cama,
esperando o telefone tocar,
sem responder
meu feriado é uma
evasão, minha razão
não é.

domingo, 31 de julho de 2011

462-0614 - Charles Bukowski


 
agora recebo muitas chamadas de telefone
todas iguais.
“é Charles Bukowski ,
o escritor?”
“sim,” eu lhes respondo.
e eles dizem que entendem minha
escrita,
alguns deles são escritores
ou querem ser escritores
e estão em empregos estúpidos e
horríveis
e não conseguem nem encarar a sala
o apartamento
as paredes
essa noite...
querem alguém com quem possam
conversar,
não podem acreditar
que não posso ajudá-los
que não conheço palavras.
não podem acreditar que agora mesmo
me dobro em meu quarto
segurando minhas entranhas
e dizendo
“Jesus, Jesus, Jesus,
de novo não!”
eles não podem acreditar
que as pessoas mal-amadas
as ruas
a solidão
as paredes
também são minhas.
e quando desligo o telefone
eles acham que escondi o
jogo.

Não escrevo a partir da sabedoria
quando o telefone toca
eu também gostaria de ouvir palavras
que pudessem aliviar um pouco alguma
dessas coisas.

e por isso que meu nome esta na
lista.

sábado, 30 de julho de 2011

CERVEJA - Charles Bukowski


não sei quantas garrafas de cerveja consumi
enquanto esperava
que as coisas melhorassem
não sei quanto vinho e quanto whisky
e cerveja
sobretudo cerveja
consumi
após pedaços de mulheres
- à espera que o telefone tocasse
à espera do som dos passos,
e que o telefone tocasse
à espera do som dos passos,
e o telefone nunca toca
a não ser quando é demasiado tarde
e os passos nunca chegam
a não ser quando é demasiado tarde
quando o meu estômago está a subir
a sair pela minha boca
eles chegam frescos como flores primaveris:
"mas que merda fizeste contigo?
demorarão 3 dias até que me possas
dar uma cueca novamente!"

a fêmea é durável
vive sete anos e meio mais que o macho
e bebe muito pouca cerveja
porque sabe que faz mal à figura.

e enquanto nós estamos a enlouquecer
elas saíram
e andam lá fora a dançar e a rir
com cowboys entesados.

pois bem, há cerveja...!
sacos e sacos de garrafas vazias
e quando apanhas um do chão
a garrafa cai através do fundo molhado
do saco de papel
rolando
fazendo barulho
entornando cinza molhada
cerveja fresca,
ou o saco cai às 4 da manhã
produzindo o único som da tua vida.

cerveja...
rios e mares de cerveja...
a rádio a passar canções de amor...
enquanto o telefone permanece silencioso
e as paredes permanecem direitas
de cima abaixo
de cima abaixo...

e cerveja...
cerveja é tudo o que resta.


(tradução de Luís Beirão)

Achei aqui: Casa dos Poetas